Até os 39 anos, Mario Gomes não se reconhecia como uma pessoa preta. “Minha bandeira sempre foi preta, mas na minha cabeça eu não era um homem preto”, conta. “Minha dor era pelo fato de não ter ideia sobre miscigenação e colorismo. Quando não se tem consciência, qualquer coisa que falem, você acredita.”
Só depois de ser contratado como gerente de Experiência do Cliente (Customer Experience ou CX) pelo iFood, há quase 4 anos, é que ele assumiu essa identidade. E foi além: hoje ele é líder do Orgulho Negro do iFood, um dos cinco comitês do Pólen, grupo de colaboradores da empresa que debate temas relacionados também a mulheres, pessoas com deficiência e LGBTQIAP+ e ao movimento corpo livre.
“Para quem não se via como homem preto, representar esse grupo no iFood é uma transformação de vida”, diz Mario. Essa mudança começou quando o iFood convidou o gerente de CX para uma campanha institucional sobre diversidade. Ele recusou porque não se considerava um homem preto.
Mas, depois de muita conversa, estudo e pesquisa com os familiares, ele disse “sim”. “Fiz a minha árvore genealógica para conhecer minha ascendência e fui visitar onde minha mãe nasceu e cresceu, próximo de onde era a região do quilombo dos Palmares. Parentes me disseram de onde era a minha família e que meu avô, um homem preto, vinha dali”, conta.
Com a campanha nas redes sociais, Mario se reconheceu, pela primeira vez, como uma pessoa preta. “Eu me perguntava: ‘onde estava esse homem preto que eu não conseguia ver?’.” Debater questões como a autoconscientização racial é uma das missões do Orgulho Negro. “Uma das” porque o grupo, hoje composto por mais de 500 pessoas, aborda temas como empoderamento, desenvolvimento pessoal, acolhimento e letramento racial, além de acompanhar de perto a evolução das metas de diversidade da empresa.
“O iFood fez diversas contratações de pessoas pretas maravilhosas nos últimos meses. Nossa ideia é dar voz e dar lugar para que esses profissionais, dentro desse sentimento de pertencimento, consigam também se expressar, trazer conhecimentos e mostrar histórias que enriqueçam, inspirem e fortaleçam a comunidade preta”, conta Mario.
Em entrevista ao iFood News, ele explica o que faz o Orgulho Negro e quais são os caminhos para empoderar as pessoas pretas na empresa e alimentar uma cultura corporativa antirracista.
IFN – O Orgulho Negro é um dos comitês do Pólen, certo?
Mario – Sim. O Pólen é um ambiente seguro para que pessoas façam parte do mesmo recorte de grupos sub-representados possam discutir assuntos que geralmente são um tabu ou causam algum desconforto.
A força do Pólen vem da autonomia que temos no iFood e de ser um ambiente seguro para sermos quem realmente somos. Não precisamos criar uma personagem, e isso faz com que a gente também ocupe esse espaço para dizer: “beleza, não sou o único gay preto que tem aqui. Quem mais? Onde estão as outras pessoas? Onde estão as mulheres pretas que trabalham aqui?”.
IFN – E como o Orgulho Negro funciona?
Mario – Temos um canal no Slack [aplicativo de mensagens] com mais de 500 pessoas pretas em que a gente faz trocas, compartilha conhecimento, inclusive produzidos por muitos FoodLovers [colaboradores do iFood] que defendem suas teses de mestrado e depois dividem com o comitê. O canal mantém todos super atualizados.
Além disso, temos um planejamento anual com temas a serem tratados todos os meses para cuidar e alimentar quatro pilares da nossa comunidade preta no iFood.
IFN – Quais são esses pilares?
Mario – O primeiro é o empoderamento da comunidade, a questão do pertencimento. Assim mostramos que, ainda que você seja a única pessoa preta da sua área, sabe que no iFood tem muitas outras pessoas com histórias e lutas muito parecidas com as suas.
O segundo traz a questão de desenvolvimento pessoal, conhecimento e prosperidade da comunidade preta. Esse pilar tem uma mensagem importante de buscar o lifelong learning [educação continuada].
O terceiro pilar busca a construção de um ambiente acolhedor e seguro. A gente se preocupa que todas as pessoas passem por um letramento racial. Não queremos que a pauta de uma reunião seja o cabelo black power de alguém. Temos um curso robusto sobre cultura antirracista para a liderança e todos os FoodLovers. A ideia é que se fomente um espaço onde as pessoas tenham uma conscientização racial para estimular atitudes antirracistas.
O quarto pilar são ações para acompanhar a evolução das ações afirmativas aqui dentro. Temos orgulho de que o iFood se comprometeu publicamente a atuar em prol da reparação histórica e a contratar pessoas negras para todos os níveis, incluindo a alta liderança.
IFN – O quanto o iFood é um ambiente seguro e preparado para acolher os trabalhadores negros?
Mario – Estou aqui há quase quatro anos e, quando eu entrei, só tinha gente branca. Considero uma realização ver que as metas estão funcionando [o iFood contratou 750 pessoas negras entre novembro de 2021 e março de 2022]. Ainda é preciso ter um upgrade, como nos cargos de alta liderança, mas existem ações para isso, como o programa de aceleramento de pessoas negras, do qual eu faço parte.
Toda semana eu converso com três pessoas negras aqui do iFood para falarmos sobre suas histórias de vida e ter um “termômetro” de como as coisas estão indo. Ainda estamos longe do ideal, como eu disse, mas o que posso dizer é que esse feedback sempre traz a mesma mensagem: pela primeira vez elas se sentem incluídas e que a ação afirmativa é um fato. Esse NPS [métrica utilizada em CX para indicar a satisfação dos clientes] que eu faço traz muita felicidade e satisfação. Então, é possível dizer que aqui é o nosso lugar.
IFN – Como vocês trazem as pessoas não pretas para essa discussão?
Mario – Nossos encontros mensais ainda são feitos por e para pessoas pretas. Mas pretendo levar para o comitê a possibilidade de abertura para que todos participem. Isso não significa que não temos nada estruturado para essa troca. Contamos com embaixadores de diversidade e inclusão nas mais diferentes áreas do iFood, realizamos lives abordando o protagonismo preto e o próprio iFood trata do assunto nos encontros trimestrais em que toda a empresa se reúne.
IFN – Como as pessoas brancas podem ser aliadas?
Mario – É uma combinação de ampliar o olhar para entender os vieses dessa construção histórica que precisa ser quebrada e de exercitar a empatia: realmente se colocar no lugar das pessoas, ter abertura para ouvir e praticar as mudanças de comportamento Tudo isso tendo como base o respeito.