“A tecnologia é uma grande propulsora do aprendizado”

Educadora Débora Garofalo fala ao iFood News sobre como a educação pode tornar os jovens protagonistas de seu futuro

A professora Débora Garofalo ganhou notoriedade por ver, até mesmo no lixo, uma oportunidade de novos aprendizados. Com seu projeto “Robótica com Sucata”, ela usou objetos descartados para ensinar eletrônica, robótica e muitos outros conteúdos curriculares a crianças e jovens da periferia de São Paulo.

A iniciativa deu tão certo que virou política pública no Estado de São Paulo, alcançando 3,7 milhões de estudantes. “O lixo era um problema real na vida deles”, conta Débora, atual coordenadora do Centro de Inovação da Educação Básica Paulista. “Ao nos depararmos com um problema, trouxemos soluções para estudar. Usar exemplos do cotidiano também é ressignificar a educação.”

Em entrevista ao iFood News, ela explica como os educadores podem ressignificar a escola e trazer a tecnologia para dar mais protagonismo aos jovens na sala de aula.

iFN – Quais são os maiores desafios da educação pública hoje?

Débora – Hoje, o maior desafio é abordar a saúde mental. Temos dados que mostram que os estudantes estão tendo crises de ansiedade. Entre cada dez jovens, seis passam por isso.  Estamos muito preocupados em recompor a aprendizagem depois da pandemia de Covid-19. Mas isso não será possível se a gente não parar e começar do básico, que é cuidar das nossas crianças e tornar a escola acolhedora.

Precisamos também ressignificar a educação. Falamos muito de novas abordagens, de metodologias ativas, de cultura maker, de tecnologia, robótica, programação, mas esquecemos de olhar para uma educação integral, que é um pilar essencial. 

É necessário formar professores para isso, pois não estamos preparados para lidar com essas novas abordagens. Precisamos aproveitar os insumos que nós temos e tecer novos caminhos para uma educação que faça sentido para os nossos estudantes. 

iFN – O que seria essa ressignificação da educação?

Débora – A educação já passou por várias revoluções. Cada uma trouxe uma marca para sua evolução, e não foi só em infraestrutura. Nós passamos de uma educação tecnicista, repetitiva, que precisava formar para uma indústria, até chegar à educação 4.0, que traz todas essas tecnologias, e à 5.0, que busca humanizar tudo isso.

Ressignificar a escola é trazer esse lado humano. A escola é muito mais do que um local de conhecimento. Eu mesma fui formada como professora para exercer a minha autonomia em sala de aula. E hoje a maior autonomia que eu vejo é poder lidar com as pessoas, com os sentimentos e valores em sala. 

O conhecimento se constrói também pelas relações humanas. É preciso ter uma escola que fale de projeto de vida, que promova a vivência de experiências e a oportunidade de colocar o aprendizado em prática. 

Entre as dez competências de ensino do novo ensino médio, por exemplo, temos que trabalhar a autogestão, o autocuidado, o senso estético, a cultura digital. Ressignificar a educação é poder pegar todos esses aspectos da BNCC [Base Nacional Comum Curricular] e colocar em prática.

iFN – Hoje os estudantes já não dependem só do professor, muitos estão com os celulares em aula. A tecnologia ajuda a formar esse jovem com mais espírito crítico?

Débora – A tecnologia é uma grande propulsora do aprendizado, mas ainda precisamos desmistificá-la. As pessoas acham que precisam ter um aparato tecnológico e não é isso. A tecnologia social é muito maior. Aproveitar que os estudantes estão conectados dá oportunidade para o professor ser aprendente.

Como aprendente, o professor, a professora, fica em uma situação em que não vai saber tudo. Mas dá os primeiros passos para que os estudantes possam caminhar. 

Mediar o conhecimento é o meu papel hoje. Não é mais ser a transmissora do conhecimento, e sim colocar os estudantes no centro do aprendizado. Eles são o foco, não eu. Mas essa inversão de papéis ainda não está muito clara, não fomos formados para isso.

Hoje, os estudantes trazem o conhecimento e nós, professores, precisamos trabalhar com essas informações. O acesso está ali; o papel do professor é trabalhar os valores, ensinar se a informação vem de uma fonte confiável. 

iFN – A tecnologia está trazendo protagonismo para as crianças e adolescentes?

Débora – Eu acho que ainda não. Estamos caminhando para isso. Os estudantes têm oportunidade de ser produtores, e não só consumidores. O problema é que a gente está incentivando o uso da tecnologia muito cedo, sem uma finalidade pedagógica.

Em casa, muitos pais dão um celular, um joguinho, para distrair e aquietar a criança. Aquilo não tem um propósito. Acho que a escola tem o papel de nortear essa orientação para que os estudantes não sejam apenas consumidores, e sim produtores de tecnologia. E tem o papel de sensibilização da família, de ajudar a colocar limites.

A tecnologia só vai ser uma propulsora da aprendizagem se conseguirmos fazer com que as atividades sejam significativas para essas crianças. É um processo que dá trabalho, não é fácil.

iFN – Você já disse que uma educação transformadora não é só uma adaptação de currículo, e sim uma mudança cultural. O que isso significa?

Débora – Eu sempre digo que é uma transformação cultural porque as pessoas são muito imediatistas e acham que vão resolver rápido o problema da educação. Temos que parar de querer resolver os problemas da educação de forma imediata e realmente criar processos que sejam duradouros.

As pessoas devem esperar, sim, mudanças culturais. Em um primeiro momento, são os professores que abastecem os estudantes com informação e dão caminhos. Com o passar do tempo, esses estudantes entendem onde podem pesquisar, e isso é uma transformação cultural.

Com o novo ensino médio, é a primeira vez na história que estamos falando de projeto de vida, e não apenas de se preparar para o vestibular. Pode escolher as áreas com as quais tem mais afinidade para estudar. Mas ainda é cedo para saber quais serão os frutos disso. Transformação leva tempo.

iFN – Você acha que a tecnologia pode tornar a educação mais inclusiva?

Débora – Totalmente. Mas a tecnologia não fará isso sozinha, por isso tem que vir acompanhada de novas metodologias, como a abordagem STEAM [acrônimo, em inglês, de ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática], por exemplo, que é investigativa, pautada no currículo. 

Eu vejo uma oportunidade onde há um estudante cheio de conhecimento, querendo pesquisar, trazendo informação. É o momento de personalizar as nossas aulas e dar voz aos estudantes. Os professores não devem achar que o celular atrapalha a aula, e sim ver o celular como uma ferramenta poderosa para personalizar o ensino.

Acredito muito no potencial das tecnologias ativas, do ensino híbrido. Uma coisa que eu sempre falo é: adapte a regra. Compreenda como os estudantes aprendem. Tem alunos que não aprendem ouvindo, e sim vivenciando. 

iFN – Qual é o seu sonho grande para a educação?

Débora – Eu sonho com uma educação realmente humanizadora, com uma escola que seja acolhedora e propicie desafios. Onde os nossos jovens sintam bem-estar. Eu sei que ainda estamos caminhando para isso, mas eu sonho com uma educação de qualidade e equidade. Que a gente consiga integrar as diferenças e não tenha mais racismo. A escola precisa dar oportunidade para que esses jovens sejam transformadores da sociedade.

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