Black Sisters combate discriminação com lugar de fala

Associação de advogadas negras dá apoio para entregadores parceiros do iFood em casos de discriminação e violência contra entregadores

Em sua política de valorização dos entregadores, o iFood, uma empresa brasileira de tecnologia, encontrou uma parceria de respeito no combate à discriminação a esses profissionais: a Black Sisters in Law.

É lado a lado com essa organização sem fins lucrativos que o iFood passou a oferecer, em junho, uma central de apoio para dar suporte jurídico e psicológico aos entregadores que enfrentem situações de discriminação e violência.

Após a denúncia para o iFood, esses casos passam a ser assistidos pela Black Sisters in Law, uma associação global de advogadas negras que atuam em várias áreas do Direito.

A organização foi fundada em 2022, no Rio, pela advogada carioca Dione Assis. E seu crescimento orgânico, desde então, revela bem a medida de o quanto o grupo é necessário para as causas que se propõe a defender.

A Black Sisters in Law surgiu em maio de 2022, quando Dione precisou reunir advogadas negras para participar de um congresso da IWIRC – organização internacional de networking para mulheres atuantes nas áreas de insolvência e reestruturação de empresas, uma área “nichada” e bastante específica do Direito.

A princípio, a fundadora montou um grupo no WhatsApp com duas outras advogadas para trocarem ideias visando à participação no congresso. Uma dessas colegas acabou pedindo que sua estagiária fosse adicionada para ajudar com os conteúdos compartilhados.

“Foi então que tive a ideia de chamar outras sete amigas minhas negras para entrarem no grupo, sendo que, cada vez que uma colega entrava, chamava outras”, conta Dione.

Esse caráter de organicidade se mantém no projeto: “Uma sister convida outra sister”, define a fundadora. Segundo ela, no segundo dia de grupo, já havia mais de 100 advogadas conectadas. Hoje, o número ultrapassa 1.500 profissionais.

Em outubro do ano passado, o projeto foi apresentado para um grupo de diretores e diretoras jurídicas de empresas como uma rede de empreendedoras jurídicas negras aptas a prestar apoio em diligências. Naquela ocasião, as Sisters já somavam 600 advogadas.

A partir dali, foram sendo constituídas parcerias com empresas, instituições e escritórios com foco no grande objetivo da Black Sisters: que suas integrantes “tenham acesso a oportunidades de prestar serviços jurídicos”, frisa Dione. Isso pode acontecer por meio de contratação direta das advogadas ou no formato de parcerias por projetos.

O trabalho feito em conjunto com o iFood envolve as advogadas criminalistas da associação – são cerca de 180 profissionais.

Quem fez a ponte para a parceria entre iFood e Black Sisters foi a VP de impacto social da empresa, Luana Ozemela. A empresa sabia que precisava ter uma resposta mais efetiva, além dos comunicados públicos,  para inibir casos de discriminação e violência contra entregadores. 

“A Luana já acompanhava o projeto e viu nele a oportunidade de dar aos parceiros do iFood uma solução para os contextos discriminatórios que eles vêm vivenciando com muita frequência”, frisa Dione.

“Advogando para os seus”

A fundadora da Black Sisters ressalta que os entregadores muitas vezes não têm condições de custear os serviços jurídicos. “O iFood realizou uma iniciativa inédita de colocar uma rede à disposição desses profissionais para situações de discriminação de qualquer natureza”, complementa.

“O ponto alto é que o iFood poderia contratar qualquer escritório de advocacia para prestar esse serviço, mas fechou com uma associação de mulheres negras que sabem sobre a matéria, que estão envolvidas com a causa e que vivenciam a discriminação”, salienta. “É muito reconfortante para elas saberem que estão ali advogando para os seus.”

Nesse sentido, a parceria tem inclusive um “impacto de política pública muito forte”, avalia Dione. “De alguma forma, os casos que forem sendo analisados e defendidos pela Black Sisters in Law vão gerar dados, conteúdo e informações importantes para identificarmos como o tema é tratado pelas delegacias em todo o Brasil.”

Assim, a partir desses dados, será possível submeter ao poder público “sugestões de alterações necessárias para atender melhor as vítimas”, considera a fundadora da Black Sisters.

Trata-se de uma evolução cuja necessidade cresce com a percepção de que a discriminação contra os entregadores envolve fatores não só raciais, mas também de gênero, de etarismo, capacitismo  e mesmo em relação ao tipo de trabalho realizado, muitas vezes desvalorizado pelas pessoas.

“O projeto com o iFood é uma oportunidade de trazer tudo isso à tona viabilizando denúncias formais e punições aos agressores”, reforça Dione.

A assistência psicológica – três sessões de terapia – e jurídica que a Black Sisters provê para os entregadores é totalmente gratuita.

No âmbito jurídico, o apoio é feito para lavrar a ocorrência e segue até o encerramento do inquérito na delegacia. Mas há, segundo Dione, a previsão de assistência judicial, para que a advogada possa “entrar com as medidas judiciais cabíveis para a reparação decorrente do dano moral sofrido e para que o agressor seja punido criminalmente pelo que cometeu”.

Empoderamento em várias frentes

Se, para os entregadores do iFood, o projeto da central de apoio psicológico e jurídico oferece um caminho de justiça contra a discriminação, para as advogadas negras da Black Sisters in Law, a chance é de “exercer a profissão sendo remuneradas com o valor de mercado e por uma causa que para nós é tão cara, mas tão menosprezada pelo sistema de Justiça como um todo”, afirma Dione.

Mais do que proporcionar oportunidades justas de trabalho para as associadas, a missão da Black Sisters in Law, na visão de sua fundadora, é “criar referências jurídicas negras”, além de combater a precarização da atuação das advogadas negras.

A organização, inclusive, oferece a essas profissionais programas de saúde mental, com psicólogos e mentores, e de empoderamento de carreira, com a ex-consulesa francesa Alexandra Loras.

“O que eu proponho é que a sociedade em geral, as empresas e escritórios conheçam essas mulheres e oportunizem a elas o exercício da advocacia com dignidade”, arremata Dione. “É isso o que o iFood está fazendo.”

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