Uma pesquisa inédita joga luz sobre quanto ganha um entregador de aplicativo no Brasil, uma informação essencial para o debate sobre a regulação do trabalho em plataformas.
Utilizando dados fornecidos pelos associados da Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), como iFood, 99, Uber e Zé Delivery, a pesquisa “Mobilidade urbana e logística de entregas: um panorama sobre o trabalho de motoristas e entregadores com aplicativos”, feita pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), calcula os rendimentos médios desses trabalhadores.
Para quem trabalha com aplicativos, esse valor não é fixo, pois seus ganhos variam conforme seu engajamento no trabalho, o que dificulta a percepção de ganho mensal.
No caso dos entregadores, um fator que precisa ser levado em conta é que a dedicação ao app não é sempre exclusiva: quase metade desses trabalhadores (48%) exerce outra atividade profissional concomitante à dos apps de delivery, segundo a pesquisa.
Por isso, o estudo estimou a renda mensal dos entregadores levando em conta os registros administrativos da Amobitec e a variação tanto das horas trabalhadas como da ociosidade, uma vez que os entregadores não estão ativos durante todo o tempo em que estão logados no aplicativo. Eles podem, por exemplo, estar aguardando um pedido ou mesmo estar envolvidos em outras atividades econômicas ou do seu cotidiano.
Para estimar essa renda, o Cebrap levou em conta dois cenários: um de uma jornada de 40 horas por semana, incluindo tempos ociosos de 10%, 20% e 30%, e outro de uma jornada de 20h, incluídas as mesmas margens de ociosidade.
Para uma jornada de 40 horas por semana, a pesquisa estimou uma renda líquida que varia entre R$ 1.980 (ociosidade de 30%) e R$ 3.039 (ociosidade de zero).
Mais sobre a pesquisa do Cebrap
- Pesquisa traça o perfil dos entregadores de aplicativo
- Pesquisa mostra quanto trabalha um entregador de aplicativo
- Qual é a percepção do trabalho de entregadores nos apps
“É sempre muito difícil falar em ganho mensal nas plataformas digitais porque o trabalho não tem natureza recorrente”, explica Debora Gershon, head de políticas públicas do iFood. “O exercício feito pelo Cebrap, nesse sentido, é bastante interessante, porque parte das horas efetivamente trabalhadas nas plataformas e adiciona a elas uma espécie de tempo de espera para o recebimento de um pedido.”
Ela aponta que, mesmo no pior cenário de ociosidade, em que o tempo de espera pode corresponder a 30% do tempo total em atividade, a pesquisa mostra que a remuneração de entregadores que trabalham 40 horas por semana fica acima do salário mínimo nacional. “Esse é um ponto de partida importante para discutirmos melhorias”, completa.
Já para uma jornada 20 horas semanais, que é a que mais se aproxima da jornada média aferida pela pesquisa (de 13 a 17 horas por semana), estima-se que a renda líquida de um entregador varie entre R$ 807 (com ociosidade de 30%) e R$ 1.325 (sem ociosidade).
Entre 2021 e 2022, o iFood fez três reajustes de ganhos mínimos, seguindo seu compromisso público de avaliar, ao menos uma vez por ano, a necessidade de reajuste das tarifas dos entregadores.
Quanto ganha um entregador por hora
Debora chama atenção para outro dado da pesquisa: o que calcula o valor recebido por hora em atividade, ou seja, enquanto o entregador está efetivamente realizando a entrega. A média aferida pela pesquisa é de R$ 23 líquidos por hora trabalhada —quatro vezes superior ao do salário mínimo por hora (R$ 5,5).
“Os ganhos dos entregadores estão atrelados às horas engajadas no aplicativo. Qualquer discussão que façamos sobre ganhos, e precisamos fazê-la, precisa considerar essa realidade do setor”, comenta.
“Se só considerarmos, por exemplo, o dado de que um entregador ou entregadora pode receber em média R$ 807 por mês sem nos perguntarmos sobre a quantidade de horas que ele ou ela dedicam à plataforma, não estaremos fazendo uma discussão produtiva. A discussão sobre ganhos precisa estar atrelada ao diagnóstico de engajamento”, diz.
Quando perguntados sobre sua renda no trabalho com aplicativos, 68% dos 1.507 entregadores entrevistados na pesquisa declararam ganhar entre 1 e 3 salários mínimos —o equivalente a um valor entre R$ 1.212 e R$ 3.636, considerando o valor vigente em 2022, quando a pesquisa foi feita.
Os valores obtidos no estudo feito pelo Cebrap mostram também uma remuneração superior para entregadores de aplicativos em relação aos ganhos registrados na PNAD COVID 19, que trazia um valor médio de remuneração mensal de R$ 1.696 para entregadores que atuavam dentro e fora das plataformas.
Isso se dá não só porque os valores foram coletados em anos diferentes, mas também, muito provavelmente, porque a pesquisa do IBGE contempla um perfil mais amplo, incluindo entregadores que não trabalham com aplicativos de intermediação.
“Além disso, algumas comparações tanto com a PNAD COVID 19, como com a PNAD Contínua para grupos correlatos tanto em termos de ocupação como de escolaridade, mostrou que os rendimentos com os aplicativos tendem a ser maiores do que aqueles observados na média nacional.”
Embora outras pesquisas sejam necessárias para um maior entendimento do cenário, Debora comenta que esse dado alerta para a condição de trabalho de entregadores não plataformizados.
“Não temos dados para avançar no debate sobre os ganhos de entregadores autônomos que não atuam com os aplicativos e sabemos que a comparação com a PNAD é meramente ilustrativa, em função das diferenças metodológicas e de recorte temporal. Mas se a média de ganhos tende a ser maior quando olhamos entregadores de plataformas em particular, esse deve ser um ponto de atenção no debate público.”