Algumas comidas são verdadeiras receitas da felicidade. Algumas músicas também. E tem canções que são quase que receitas de comidas.
Ficaram confusos com tanta mistura? Pois vamos colocar tudo em pratos limpos. Ou em um caldeirão sensorial, trazendo por aqui algumas músicas que falam sobre comidas que amamos.
Sim, a gastronomia alimenta a criatividade dos compositores. E eles se tornam mestres em despertar ao mesmo tempo água na boca e gingado.
Um delicioso exemplo disso é “Vatapá”, canção escrita por Dorival Caymmi e que virou sucesso na voz de Gal Costa 47 anos atrás, em 1976.
“Quem quiser vatapá, ô, que procure fazer”, entoa a cantora, abrindo a letra para um passo a passo poetizado de como preparar o prato.
“Primeiro o fubá, depois o dendê”, ensinam os versos. “Amendoim, camarão, rala um coco na hora de machucar, sal com gengibre e cebola, iaiá, na hora de temperar.”
A riqueza desse combinado de ritmo e ingredientes da despensa forma um retrato riquíssimo da cultura brasileira, arrematado por “Com qualquer dez mil réis e uma nega, ô, se faz um vatapá”.
É uma alusão à presença da mulher preta na cozinha baiana, bem como à acessibilidade econômica de um prato considerado popular – e, na canção, precificado na moeda usada no Brasil até os anos 1940.
Música, comida e cultura também casam perfeitamente na “Feijoada completa” preparada por Chico Buarque em 1978.
A narrativa espelha alguns costumes daquela década, especialmente em comunidades cariocas, em que os homens levavam os amigos para comer em casa. A tarefa de cozinhar era delegada às mulheres, denotando hábitos machistas.
Mazelas sociais à parte, o desenrolar do feitio da feijoada na canção é mesmo de abrir o apetite.
Sinta essa pontada no estômago através dos ouvidos: “Um montão de torresmo pra acompanhar, arroz branco, farofa e a malagueta, a laranja-bahia ou da seleta; joga o paio, carne seca, toucinho no caldeirão, e vamos botar água no feijão”.
Um gosto mais acentuado da crítica social através do que vai à mesa é evocado por Zeca Pagodinho em “Caviar”.
“Caviar é comida de rico, na mesa de poucos, sou mais ovo frito, farofa e torresmo, pois na minha casa é o que mais se consome”, anuncia a letra.
Bora adocicar um pouco esse cardápio? Então vamos de sobremesa. Tim Maia estava irredutível em sua “Chocolate”: era o que ele queria, não adiantava oferecer guaraná ou cafezinho.
Para ficarmos na mesma prateleira gustativa, acrescentemos umas pitadas de pimenta ao cacau. “Chocolate com pimenta”, tema da novela, foi popularizado na interpretação de Deborah Blando.
Na verdade, o casamento de sabores nessa canção é metáfora para duas pessoas que se relacionam mesmo sendo muito diferentes. E não é que deu muito certo a combinação?
O jeito, mesmo, é “Comer comer”, conselho da banda Genghis Khan para “poder crescer”. A música elenca um time de quitutes de respeito, da torta de amora a uma “baita fritada”.
A banana fica por conta de uma marchinha de Carnaval do Braguinha, que ganhou nova textura na voz de Ney Matogrosso. “Yes, nós temos bananas!” é uma afirmação da nossa identidade tropical. E nutritiva. Afinal, “banana, menina, tem vitamina, banana engorda e faz crescer”.
Mas vamos com calma, para a digestão não desandar. Também não dá pra perder o ponto da maionese, aquela que a gente “bate que bate” e, ops, tá pintando mais um “hit”.
A cantora Gilmelândia se vale desse molho à base de óleo e ovo para falar da consistência, digamos, emocional de alguém apaixonado. “Tonta e sozinha, sou maionese”, arremata, com muito axé.
Músicas de comida são mesmo contagiantes. Não é para menos: nos atingem em cheio tanto no pé do ouvido quanto na boca do estômago.