Por Debora Gershon e Erica Diniz Oliveira*
O iFood é uma plataforma que conecta entregadores, consumidores e estabelecimentos comerciais (restaurantes, mercados e farmácias). Somos uma tecnologia brasileira feita para brasileiros.
A nossa história começou em 1997, com um guia impresso de cardápios, mas foi em 2011, no interior de São Paulo, que o iFood, tal como o conhecemos hoje, começou a tomar forma. A partir daquele guia, lançamos o aplicativo e o site e, em 2018, começamos a operar em escala com entregadores conectados à nossa plataforma.
Em função da evolução de um mercado bastante dinâmico, e com o objetivo de atender às diferentes demandas dos estabelecimentos comerciais, hoje operamos de duas formas distintas.
Na primeira, denominada marketplace, o iFood conecta os estabelecimentos aos clientes do aplicativo e o estabelecimento comercial é o responsável pela logística com entregadores próprios ou de terceiros – prática usual e anterior à chegada das plataformas digitais nesse setor. Esse modelo representa a maior parte dos nossos pedidos, cerca de 61%.
Já no segundo modelo, denominado full service, somos responsáveis pela conexão das três pontas: clientes, estabelecimentos e entregadores cadastrados diretamente no aplicativo. Este formato de contrato se aplica a menos de 40% dos nossos pedidos, mas tem impactado a vida de milhares de trabalhadores que enxergam no iFood uma oportunidade de geração de renda.
Cientes do tamanho da responsabilidade que advém do impacto na vida de tantas pessoas, desde o ano de 2021 temos manifestado um posicionamento pró-regulação para criação de um ambiente jurídico favorável ao aumento da proteção social de entregadores, reconhecidas as singularidades do nosso modelo de negócios.
Esse posicionamento, no entanto, não é fruto de reflexão solitária dos gestores da empresa. Ao contrário, foi construído por meio da escuta ativa de diferentes atores – entregadores, organizações sociais, academia e sociedade civil não organizada. É a confiança no acerto dessa postura, inclusive, que nos mantém extremamente atentos às demandas sociais relativas às nossas atividades, a exemplo das que foram expostas no Manifesto dos Pesquisadores sobre Regulação do Trabalho mediado por Plataformas digitais.
O manifesto é um instrumento democrático de grande importância, que nos dá a oportunidade de mais uma vez abrir diálogo sobre as características da empresa e do setor, fundamentais para o debate sobre regulação.
O iFood concorda com muitas das questões expostas no documento e tem se debruçado sobre elas com o objetivo de melhorar sistematicamente as suas práticas. Abaixo, apresentamos alguns dados e informações e tecemos comentários sobre as principais demandas apresentadas na expectativa de fortalecer canais de interlocução.
Ganhos
O perfil de engajamento dos entregadores na plataforma do iFood apresenta grande heterogeneidade. Considerando os dados de 2022, 40,5% dos entregadores responsáveis pelas entregas do modelo full service estiveram online na plataforma menos de 20 horas em um mês e 20,5% entre 20 horas e 40 horas no mesmo período.
Ou seja, aproximadamente 61% do total de entregadores responsáveis pelas entregas do modelo full service estiveram disponíveis na plataforma menos de 40 horas por mês no ano de 2022, enquanto apenas 1,2% tiveram engajamento mensal entre 180 e 220 horas. Esses dados ilustram a preferência revelada dos entregadores pela autonomia e flexibilidade.
No entanto, essa heterogeneidade no nível de engajamento dos entregadores não é replicada quando observados os ganhos com a atividade. Independentemente do perfil de engajamento, os entregadores que trabalham com o iFood recebem, em média, mais do que duas vezes o salário mínimo nacional hora.
Temos avançado de forma significativa em instrumentos de controle que nos permitam manter esse compromisso fundamental com a sociedade brasileira, visando corrigir eventuais distorções. Entre 2021 e 2022, três reajustes de ganhos mínimos foram feitos pela plataforma para o atendimento dessa premissa, havendo compromisso público da empresa de avaliar, ao menos uma vez por ano, a necessidade de reajuste das tarifas praticadas junto aos entregadores.
Proteção social
Há mais de 3 anos o iFood discute e age em prol do aumento da proteção social dos entregadores mediados pela plataforma. Oferecemos hoje um conjunto de benefícios, protegendo os entregadores em momentos de maior adversidade, considerado o intervalo de tempo entre o aceite do pedido e o seu retorno para casa.
São ofertados, sem contrapartida dos trabalhadores, por exemplo, seguro de vida, seguro acidentes, seguro por lesão temporária, telemedicina e auxílio a filhos menores de idade em caso do infortúnio de um sinistro fatal.
É bom ressaltar que temos trabalhado ativamente para melhorar o acesso a esses benefícios. Além disso, mais de 700 pontos de apoio estão ativos no Brasil, desde que o modelo full service foi criado em 2018.
Por fim, e ainda mais importante, o iFood defende, via Amobitec, uma regulação que inclua trabalhadores mediados por plataformas digitais de transporte individual de passageiros e mercadorias no sistema previdenciário público, como autônomos, o que garante uma contrapartida das empresas no sistema.
Isso protege o trabalhador, que é o nosso maior objetivo, e tem potencial para diminuir o déficit previdenciário comparativamente com os contrafactuais do BPC ou da obrigatoriedade do MEI. É uma contribuição importante e condizente com uma empresa do tamanho da nossa. Temos confiança de que a regulação do setor fortalecerá os mecanismos protetivos da atividade.
Desigualdade de poder e relações de trabalho
Não concordamos com a tese de que entregadores e entregadoras mantêm ou deveriam manter uma relação de emprego com o iFood ou com qualquer outra plataforma digital cujo modelo de negócio seja semelhante. A importância atribuída pela grande maioria dos trabalhadores do setor à autonomia, flexibilidade e liberdade na realização desse tipo de atividade se alinha à nossa concepção.
E os dados nos ajudam aqui. Além do que já foi brevemente mencionado, uma pesquisa amostral realizada pela Locomotiva em 2021 revelou que 70% dos entregadores preferiam o modelo de trabalho flexível, sem CLT.
No mesmo ano, um estudo do Datafolha com entregadores e motoristas encontrou resultados idênticos: 2 em cada 3 preferiam ser classificados como conta própria, descartando o vínculo formal. Isso porque as características desse trabalho distam daquelas previstas na CLT, mesmo quando considerada a reforma trabalhista de 2017. A CLT é um instrumento de extrema importância no Brasil, mas que não abarca as particularidades das novas relações de trabalho e, particularmente, do nosso setor.
O contrato intermitente, por exemplo, criado antes do início da operação do iFood com o modelo full service anteriormente citado, vem sendo exposto como alternativa de formalização dos trabalhadores mas faz exigências que, do ponto de vista teórico, não dialogam com as características da gig economy e que, do ponto de vista operacional, inviabilizam a realização da atividade de delivery sem qualquer restrição.
De um lado, esse tipo de contrato exige antecipação de demanda, por parte da empresa. De outro, obriga trabalhadores ao pagamento de multas, em caso de desistência na prestação do serviço contratado. O modelo de negócio do iFood é essencialmente flexível. Isso para nós não é uma questão meramente econômico-financeira, é conceitual.
Os dados de perfil de engajamento na plataforma para o ano de 2022 anteriormente citados ajudam a esclarecer o cenário. Qualquer debate regulatório do setor precisa partir dessa realidade de que 61% dos entregadores do modelo full service ficam logados na plataforma iFood menos de 40 horas por mês, enquanto apenas 1,2% têm engajamento mensal entre 180 e 220 horas.
Proteção de dados e transparência
O iFood tem processos rigorosos de captura e processamento dos dados coletados de entregadores, consumidores e clientes, não havendo hipótese em que um dado seja coletado e processado sem aviso e concordância prévia das partes. Nossas políticas de proteção de dados estão descritas na nossa declaração de privacidade e fazemos uso constante da tecnologia para aumentar nossos procedimentos de segurança.
No que diz respeito à transparência, temos sistematicamente melhorado as nossas práticas, a partir do diálogo com os próprios entregadores. Dar visibilidade às hipóteses de bloqueio é uma demanda da categoria, que, desde o Fórum Nacional dos Entregadores, em 2021, vem sendo endereçada dentro da empresa.
A partir dessa escuta, já mudamos regras e incrementamos canais de comunicação para divulgá-las. Gerir a plataforma de forma transparente é para nós um valor e temos avançado nessa direção, inclusive no que se refere a ganhos.
Todo cálculo que compõe os valores pagos pelas entregas – rota, cidade e modal – está disponível para consulta. No próprio aplicativo, antes do aceite ou da rejeição de um pedido, há repasse de informação sobre o valor da entrega, assim como está disponível um extrato com os respectivos valores das entregas realizadas. Sabemos que precisamos avançar ainda mais, e vamos.
Tributação e impacto socioeconômico
Todas as obrigações tributárias do iFood são cumpridas à risca pela empresa. Além disso, nosso impacto tributário indireto é bastante relevante nacionalmente. No ano de 2020, a cada R$ 1 arrecadado pelas atividades do iFood em impostos como IPI, ICMS e ISS, outros R$ 1,11 foram arrecadados indiretamente no Brasil.
E a nossa contribuição para a economia brasileira não se resume à arrecadação tributária. A participação do iFood no PIB foi de 0,43% nesse mesmo ano – ou seja, a empresa, sozinha, contribui com quase 0,5% do PIB nacional. Além disso, geramos cerca de 730 mil postos de trabalho diretos e indiretos.
Do ponto de vista do consumo, a cada R$ 1000 gastos no iFood, outros R$ 1414,00 são gerados na economia brasileira. Esses dados resultam de uma parceria realizada com a FIPE para análise da nossa cadeia de valor com base na metodologia da matriz insumo-produto. Uma nova pesquisa dessa natureza está em processo de elaboração.
É nossa intenção prosseguir com o diálogo construtivo e democrático, assumindo posicionamentos claros e aportando dados não sensíveis para ampliação do conhecimento do setor.
Reconhecemos na academia um ator absolutamente fundamental no desenho de qualquer política pública e, por conseguinte, no debate regulatório sobre plataformas digitais. Não por outra razão mantemos duas áreas de pesquisa e interlocução acadêmica —Data Policy e Economics—, dedicadas ao estudo da produção acadêmica sobre o assunto e à interlocução com grupos de pesquisa interessados. É assim que pretendemos alimentar o futuro do setor – mantendo a nossa “cozinha” aberta.
*Debora é mestre e doutora em Ciência Política pelo IESP/UERJ, com pós-doc pela UCSD, San Diego, e head de Data Policy e Relações Acadêmicas do iFood.
Erica é mestre e doutora em Economia pela Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e head de Economics do iFood.