Conheça a mulher que acelera as startups negras no Brasil

Maitê Lourenço conta, nesta entrevista, como criou a BlackRocks, primeira aceleradora para startups negras do país, e fala sobre diversidade racial nesse universo.

Maitê Lourenço, fundadora da BlackRocks, conta como criou um
hub de inovação focado em empreendedores negros

Em 2010, a psicóloga Maitê Lourenço atuava na gestão de carreiras quando resolveu abrir uma empresa para ajudar as pessoas a fazer seu currículo e a se dar bem nas entrevistas de emprego. Quatro anos depois, ela queria usar inteligência artificial para automatizar o processo e ganhar escala, então passou a frequentar eventos de startups.

“Quando comecei a participar desses eventos de tecnologia, fiz o teste do pescoço: olhei para um lado, para o outro e me perguntei: onde estão outras pessoas como eu, mulher negra? Quem ganhava investimento eram homens brancos que tinham outros homens brancos como advisors [conselheiros]”, lembra Maitê.

Foi nesse cenário que ela fundou, em 2016, a BlackRocks, uma aceleradora focada em desenvolver negócios inovadores na área de tecnologia que sejam liderados por pessoas negras e que tem sede em São Paulo (SP).

Em seis anos de atuação, a BlackRocks acelerou mais de 30 startups e traçou o primeiro Mapa das Startups Negras do país, lançado em 2021. Em entrevista ao iFood News, Maitê Lourenço conta sua trajetória e avalia a diversidade racial no ecossistema brasileiro de startups.

Para começar, quem é a Maitê?

Sou psicóloga, tenho 37 anos e sempre trabalhei com a questão racial, tentando entender como o racismo afeta a população negra não só na saúde mental mas também na empregabilidade e no empreendedorismo. E também me interesso muito por dados, por buscar informações que não validem apenas o que eu sinto e vejo, e sim tragam uma perspectiva social, para saber como as pessoas se sentem, no geral.

Como você entrou nesse mundo das startups?

Em 2010, eu fundei uma empresa de elaboração de currículos e simulação de entrevistas de emprego. Como muitos empreendedores, tive essa dor: como eu faço para aumentar o número de clientes sem necessariamente aumentar os meus custos? Como eu escalo e desenvolvo meu negócio sem contratar mais pessoas?

Eu queria uma solução de inteligência artificial, um algoritmo para fazer uma leitura inteligente, então passei a frequentar eventos de startups. Nesses eventos, eu olhava para os lados e não via pessoas negras. Quem ganhava os duelos de pitches [apresentação para investidores] eram homens brancos que colocavam outros homens brancos no PPT como advisors, pois eram pessoas com quem eles já tinham uma relação.

Eu vi ali um potencial muito grande. A menina, o menino periférico, as pessoas negras, como maioria da população, de repente têm um problema ou uma solução que a maioria da população também tem. Então eu literalmente cresci o olho: ninguém está olhando para a maioria, então quem vai olhar? Vou ser eu.

E assim eu decidi criar um hub de inovação para buscar a potência desses empreendedores negros. A BlackRocks surge como uma aceleradora que traz as demandas desse grupo. Ela funciona como as outras aceleradoras, mas é focada nos desafios dos empreendedores negros e dá visibilidade ao potencial que as demais aceleradoras e investidores não enxergam.

De que forma os empreendedores negros trazem um olhar diferente?

Estamos falando de empreendedores que têm muito potencial, que criam soluções incríveis, mas que não chegam até os grandes investidores. E isso não é apenas um desafio para os empreendedores negros: é também uma grande perda para o mercado. Quando eu, mulher preta, abro o aplicativo do banco e tenho que fazer o reconhecimento facial e não consigo que ele mapeie a minha face, imagina o quanto as fintechs estão deixando de ganhar clientes. Ao mesmo tempo, tenho certeza que existem pessoas negras criando soluções que não vão me excluir como consumidora.

O que a BlackRocks busca em uma startup?

Na nossa última seleção, temos startups que atuam em áreas diversas, desde criar suporte técnico com assistente automatizado até fazer predição de fatores para precificar corretamente fretes de navios. O que eu procuro avaliar é se a solução é escalável. Na seleção das startups, avaliamos qual é a solução que pode ser escalada hoje e no futuro.

Temos, por exemplo, uma startup voltada para apoio de locomoção de idosos, com o cuidado e a atenção que eles precisam, já pensando que em poucos anos a maioria da população brasileira vai ter mais de 50 anos. Buscamos soluções que tenham alto alcance e tragam uma solução inovadora usando a tecnologia.

Você acha que o ecossistema de startups evoluiu na questão racial?

Antes, o que as aceleradoras e os investidores diziam é que não chegavam startups com pessoas negras, não havia mentores negros. No estudo que fizemos com a Bain Company, conversamos com 30 agentes do sistema de startups sobre a diversidade racial no portfólio deles e 91% das aceleradoras e investidores disseram que não havia diversidade racial no ecossistema.

Entendi que essa bolha era tão firme que quando alguém batia, voltava. Era preciso criar algo muito potente, muito resiliente, que pudesse ir quebrando aos pouquinhos essa lógica de que não existem empreendedores negros nas startups. Em 2022, a gente já conversa de um lugar em que não é preciso explicar que o racismo existe no ecossistema de startups. Já estamos no patamar de criar ações para resolver o problema.

Mesmo assim, não tem como ser otimista sabendo que ainda existe exclusão de grupos minoritários. Nosso mapeamento mostra que um quarto das startups são lideradas por pessoas negras, e entre elas, 18% são lideradas por mulheres.

Hoje o ecossistema está em um momento de se questionar como gerar inclusão de pessoas negras, uma conversa que não existia há seis anos. O movimento Black Lives Matter trouxe essa discussão para as grandes empresas e instituições. A Nasdaq hoje exige que haja ao menos uma pessoa negra no conselho administrativo das empresas que vão fazer IPO.

Mas quem trabalha com diversidade racial está na contracorrente, brigando para ter o seu espaço e exigindo ações práticas. Os jovens, hoje, nas redes sociais, estão exigindo que as empresas tenham mais responsabilidade social, mais ação e posicionamento.

Houve um avanço de representatividade?

Essa nem é mais a questão. A gente falava de representatividade lá por 2017, 2018. Depois disso, entendemos que havia uma tokenização das pessoas negras: as empresas contratam pessoas negras para dizer que elas estão representadas, mas os espaços de poder não são delas.

Por isso, não buscamos mais a representatividade, e sim a proporcionalidade. Se nós somos 56% da população, onde estão as mulheres negras nas posições de liderança nas empresas? Quantas pessoas negras estão na liderança e têm oportunidade de desenvolver inovação e ações que gerem impacto positivo? Precisamos de proporcionalidade na liderança, é nessa direção que devemos pensar em avançar.

Pensando no futuro, qual é seu sonho grande?

Quando comecei a BlackRocks e me perguntavam o que eu queria dali a cinco anos, eu dizia que meu desejo era que a BlackRocks não existisse mais [risos]. Meu desejo ainda é o mesmo. Espero que no futuro a gente não tenha que falar de diversidade como uma ação diferencial.

Espero que a Maitê possa falar de empreendedorismo e inovação e seja provocada a ir além do que ela já conhece. Quero muito que o Brasil avance levando e buscando soluções para a África, que vem desenvolvendo fintechs. A Nigéria é precursora de pagamentos sem intermediação bancária, a Meta foi até lá entender como fazer isso para o WhatsApp. Espero ver mais ações inspiradas pelo valor dos nossos negócios.

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