Pode ser que daqui um tempo, quando tivermos mais veículos autônomos rodando por aí, o Maio Amarelo seja apenas uma lembrança de uma época em que era preciso conscientizar as pessoas sobre a segurança no trânsito. A expectativa, dizem especialistas, é de que as altas estatísticas de trânsito diminuam quando tivermos mais carros rodando por aí sem a presença de um humano atrás do volante.
É justamente essa premissa — a não necessidade de um humano atrás do volante — que explica por que os veículos autônomos deixariam o trânsito mais seguro. “Uma pessoa que dirige faz isso de forma tão consciente e automática que pode se distrair. E hoje a quantidade de possibilidades de distração é enorme”, diz Camilo Adas, presidente do conselho da SAE Brasil e líder em tecnologia e inovação da entidade.
O fator humano é determinante para boa parte das causas de acidentes. O Atlas da Acidentalidade no Transporte Brasileiro deixa isso bem claro. Em 2020 (último dado disponível na plataforma), das 10 maiores causas de acidentes, 7 eram relacionadas às ações dos motoristas:
· Falta de atenção: 24.102 acidentes | 26.832 feridos | 1.791 mortos
· Desobediência à sinalização: 9.129 acidentes | 11.042 feridos | 1.029 mortos
· Excesso de velocidade: 5.878 acidentes | 7.047 feridos | 712 mortos
· Ingestão de álcool: 5.434 acidentes | 4.860 feridos | 370 mortos
· Não guardar distância de segurança: 3.617 acidentes | 4.041 feridos | 88 mortos
· Dormir ao volante: 2.109 acidentes | 2.605 feridos | 251 mortes
· Ultrapassagem indevida: 1.081 acidentes | 1.766 feridos | 318 mortes
“Um sistema de direção autônoma bem desenvolvido é estatisticamente mais seguro do que o ser humano. Não é que toda pessoa vai cometer um erro, mas há uma grande incidência de erro humano causando acidentes”, diz Adas. “Nessa hora, quanto maior o suporte à direção, mais seguro o trânsito fica”, completa.
“Um dos drivers da automação de veículos é minimizar o número de mortes e de acidentes no trânsito. É para isso que se busca tanto esse tipo de veículo”, concorda Rodrigo Vicentini, gerente de engenharia para América Latina da Key Sight e diretor de componentes da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE).
Além de mais seguro, um trânsito mais limpo e confortável
Além de um trânsito mais seguro, os especialistas que conversaram com iFood News citam outros benefícios que uma maior autonomia nos carros pode trazer para o trânsito e motoristas.
“Por estar ligado ao universo elétrico, o trânsito será menos poluente”, diz Vicentini. “Um veículo autônomo não é elétrico, mas dado à performance de carro movido à eletricidade, principalmente pelo tempo de resposta de seus componentes, é mais conivente e confiável que o veículo autônomo seja elétrico, e não à combustão”, explica.
Outro benefício é o conforto, que já é possível experimentar em alguns carros com algum nível de autonomia e que compartilham com os motoristas o controle da direção e velocidade. “Conforme a condução fica mais confortável, você evita a fadiga e possibilita que o motorista possa, por exemplo, espirrar ou beber uma garrafa d’água sem que tenha de diminuir a velocidade ou encostar em algum local seguro”, diz Adas.
Seria o fim do trânsito congestionado também? Um estudo feito pela Universidade de Berkeley (Estados Unidos) observou a redução no tráfego e no consumo de combustível quando o carro controlado por humanos passou para o modo automático.
Para Vicentini, os autônomos não conseguiriam dar essa resposta. “Isso depende mais de uma política pública do que da tecnologia em si”, diz. Segundo ele, a tecnologia envolvida nos veículos autônomos aumentaria a confiabilidade da informação a respeito do trânsito, mas o problema não se resolveria sem a existência de outros modais e melhora na infraestrutura.
Quando veremos mais carros pilotados por ninguém?
Uma realidade parecida com a do filme “Minority Report”, lançado em 2001 e com algumas cenas de um trânsito tomado por veículos autônomos (relembra algumas aqui), está distante, mas não tão distante.
Ainda não temos carros com alta ou total autonomia (os níveis 4 e 5 da escala de autonomia). Mas já temos carros de nível 3, no qual a máquina tem o controle sobre a direção cabendo ao humano intervir quando a tecnologia não consegue seguir sozinha.
“Nós vamos ver as coisas acontecerem rapidamente. O que eu não consigo prever é a data que isso vai acontecer. Mas é bem antes de 2050, por exemplo”, diz Adas.
Para que a gente seja mais passageiro e menos motoristas dos carros são necessários avanços em outras áreas que não apenas na área da tecnologia.
Será preciso debater (e muito) sobre a culpabilidade de um acidente quando não houver um motorista para ser responsabilizado. Também não se poderá fechar os olhos para os riscos de ataques hackers. E quem irá definir o que a máquina deve fazer quando estiver em uma situação em que qualquer alternativa resultar em algum acidente? “A sociedade ainda não está organizada para isso. Nem no Brasil, nem em lugar nenhum”, diz Adas.
Além disso, é preciso melhorar a infraestrutura viária e tecnológica para que os autônomos entreguem tudo aquilo que se espera deles em segurança. Em um cenário ideal, carros e vias se conectam, automóveis conversam uns com os outros e o ocupante do veículo pode simplesmente relaxar enquanto a viagem é feita.
O Brasil conta hoje com essa estrutura? “Se uma pessoa comprar um carro de última geração e trazer para o Brasil ele vai ser único no trânsito. Não vai ter todos os benefícios, mas se alguém passar na frente do carro, ele vai parar, vai evitar uma colisão e nem deixar mudar de faixa”, diz Vicentini.
Você que está lendo esse texto em um futuro nem tão tão distante de 2022: já conseguimos baixar os números de acidentes e mortes no Brasil?