A pandemia de Covid-19 agravou a desigualdade que já existia entre a qualidade do ensino público e privado. Na rede pública, o percentual de estudantes de 6 a 17 anos que ficaram sem atividades durante o período em que as escolas foram fechadas foi 4,3 vezes maior do que no setor privado.
Já as aulas online foram realizadas em 69,8% dos colégios particulares e em apenas 35% das escolas públicas, aponta o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na Síntese de Indicadores Sociais divulgada no final de 2021.
Para estudar à distância, seria preciso combinar o acesso à internet ao uso do computador, duas condições que não estão presentes na maior parte dos lares brasileiros. Segundo a Pesquisa TIC Domicílios 2021, em 62% dos 23 milhões domicílios da amostra do estudo as pessoas responderam ter somente o computador, só a internet ou nenhum dos dois.
O que pode ser feito para começar a reduzir essa desigualdade no pós-pandemia? Em entrevista ao iFood News, Kelly Baptista, diretora-executiva da Fundação 1Bi — instituição social apoiada pela Movile e empresas investidas, como o iFood — aponta três possíveis caminhos.
Mais investimento em infraestrutura
Para Kelly, a redução dessa desigualdade começa com maior investimento em infraestrutura como um todo —como ampliar a cobertura de internet para a população mais pobre. “Temos graves problemas para resolver antes de pensar no uso da tecnologia na sala de aula. A democratização da internet é um deles. Como resolvemos? Com projetos de lei ou investimento privado para que as pessoas tenham internet e possam acessar a tecnologia em casa”, explica.
Cética em relação à atenção que esse tema receberá dos governos no pós-pandemia, ela acredita que esse papel deverá ficar nas mãos das empresas, que passaram a adotar práticas que geram impactos positivos para a sociedade. “As iniciativas de ESG estão mais voltadas para o lado ambiental, mas o social também tem de ser pensado. Não consigo desassociar investimentos empresariais nas comunidades de educação.”
Atualização do currículo escolar
Outra ação importante na rede pública, segundo Kelly, é a atualização do que é ensinado e da maneira como o conhecimento é passado para os estudantes. Isso significa criar uma grade curricular que, desde os primeiros anos, incentive o raciocínio lógico e desperte o interesse pela tecnologia.
“Se isso não for feito, mais uma vez as pessoas que estão na escola particular, e já têm isso desde o começo da vida, acabarão deslanchando, enquanto os alunos da rede pública ficarão para trás”, completa.
Uso de tecnologias acessíveis
Para Kelly, a tecnologia pode ser usada para ampliar o acesso ao conhecimento, mesmo nas zonas mais vulneráveis. Uma saída, apontada por ela, é usar soluções acessíveis, como aplicativos de celular, capazes de alcançar lares onde há internet, mas não computador.
Ela cita o exemplo do AprendiZAP, plataforma gratuita criada pela Fundação 1Bi para levar conteúdo grátis a estudantes e professores via WhatsApp —e que já beneficiou mais de 557 mil alunos, direta ou indiretamente. “A gente consegue chegar à zona periférica, rural e urbana porque o WhatsApp é uma ferramenta democrática, as pessoas conseguem ter acesso”, afirma.
Segundo a Pesquisa TIC Domicílios 2021, 64% dos brasileiros que acessam a internet navegam do celular. O aparelho foi ainda mais usado para se conectar na zona rural (83%) e pelas classes C (67%) e DE (89%).
Sobre o AprendiZAP, Kelly afirma que seu uso se intensificou na pandemia como uma ferramenta de reforço escolar. “Recebemos relatos de alunos contando que, na pandemia, foi a única forma possível para estudar porque era o que havia à mão”, diz. Tecnologias acessíveis como essa, em sua opinião, podem ajudar a reduzir a desigualdade entre o ensino público e o privado, mas não a equipará-los. “Ter um professor acompanhando o tempo todo faz a diferença. De qualquer forma, o AprendiZAP reduz esse gap porque os alunos conseguem receber algum tipo de educação em casa.”