Os desertos alimentares são um conceito que existe desde o século passado e vem ganhando mais força com o avanço dos estudos sobre segurança alimentar.
O ponto crucial é que não basta apenas para a população saciar o paladar ou tentar reeducar a alimentação. Eliminar a fome é o primeiro passo, claro. Mas regiões mais pobres das grandes e pequenas cidades ainda são colocadas à margem do acesso à completude nutricional, vivendo em desertos alimentares.
Nesse contexto, a desigualdade social seria a areia pesada que impede as classes baixas de ter acesso ao tão sonhado oásis, que são os alimentos frescos, in natura e ricos em nutrientes, necessários para a saúde dos cidadãos.
O que são desertos alimentares?
Os desertos alimentares são locais onde o acesso a alimentos in natura ou minimamente processados é escasso. Segundo essa definição do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), as pessoas que vivem nesses locais precisam se locomover para regiões distantes, a fim de obter alimentos importantes para a saúde nutricional.
Em uma linha de estudos consoante ao de insegurança alimentar, os desertos refletem questões de saúde pública e de desigualdade social. A distância geográfica é apenas um fator que pode configurar um deserto alimentar, mas é principalmente a ausência de políticas de acesso universal a alimentos in natura que causam esse problema.
A primeira vez que esse termo foi cunhado datava o ano de 1995, em um documento de um grupo de trabalho da Força-Tarefa de Nutrição do governo escocês.
Em estudos organizados pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o termo deserto alimentar configura uma “região na qual pelo menos 500 pessoas, ou 33% de um determinado setor censitário, residem a mais de 1,6km de um supermercado”.
Se você está caminhando no deserto e aparece um refrigerante gelado, você vai beber, por mais que queira água. A lógica é parecida em termos de desertos alimentares.
A tese de doutorado de Ana Clara Duran, doutora em Ciências e pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da USP, revelou que moradores próximos de pontos com variedades de frutas as consomem mais. Por outro lado, lugares com mais fast foods estão associados com maior consumo de refrigerante e açúcar.
Muitas famílias vivem uma realidade em que é mais fácil comprar um salgadinho ou um pacote de bolacha recheada do que um cacho de bananas ou meia dúzia de maçãs.
Assim, é mais fácil, mais prático, entre outros fatores. Por isso, falar apenas em reeducação alimentar seria fechar os olhos para essa desigualdade.
Onde estão os desertos alimentares?
Primeiramente, os desertos alimentares, de maneira geral, estão concentrados nos bairros periféricos ou com menores indicadores sociais. Os moradores dessas regiões precisam se locomover até os grandes centros de maior poder aquisitivo, onde ficam concentrados os supermercados, as feiras e as hortifrutis em que se encontram alimentos in natura ou minimamente processados.
Um mapeamento da CAISAN (Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional) apontou que, em 12 das 21 capitais brasileiras, o grupo de subdistritos em que existe uma quantidade menor de estabelecimentos que oferecem alimentos saudáveis é também o grupo de menor renda.
Nas regiões periféricas, é maior a concentração de estabelecimentos que comercializam ultraprocessados e raramente alimentos in natura.
Recentemente, a reportagem do G1 trouxe que os desertos alimentares condenam até 47,4% da população da maior economia do mundo, os Estados Unidos. Overtown é um dos milhares de “desertos alimentares” espalhados pelo país.
Ainda que estejamos falando em um dos países mais ricos do mundo, a maioria dessas pessoas tem dificuldade de acesso a alimentos saudáveis.
O que causa o deserto alimentar?
Uma das principais causas do deserto alimentar é a falta de infraestrutura em comunidades de baixa renda. Essas áreas muitas vezes não possuem supermercados próximos, dificultando o acesso a alimentos frescos e saudáveis.
Isso leva as pessoas a dependerem de alimentos processados, ou seja, menos nutritivos que apresentam sérios riscos à saúde de quem os consome.
Outra causa é a falta de transporte público adequado nessas regiões, o que dificulta ainda mais o acesso aos alimentos.
Dessa forma, sem transporte conveniente, os residentes dos desertos alimentares têm dificuldade em chegar aos supermercados ou mercearias mais próximas, limitando suas opções alimentares.
Quais são os impactos dos desertos alimentares na vida da população?
Os desertos alimentares são obstáculos para que uma parcela considerável da população tenha uma vida saudável. Muitos estudos relacionam a deficiência nutricional e suas consequências na saúde humana com as condições econômicas da população.
Os países podem sofrer um preço alto em dados de mortalidade, saúde e bem-estar populacional. Pelo menos é o que mostra o relatório do Painel Global sobre Agricultura e Sistemas Alimentares para a Nutrição apontando que é necessário ação dos responsáveis de modo a controlar o sobrepeso e o combate das doenças relacionadas à dieta.
As deficiências nutricionais afetam o rendimento e o dia a dia das pessoas muito mais do que se imagina. Por isso, é fundamental que se gerem esforços para a criação de feiras livres, hortas urbanas e todo o tipo de maneira de levar mais alimentos saudáveis aos cidadãos.
Quais as consequências dos desertos alimentares?
A principal consequência do deserto alimentar é o risco dessas pessoas, com menos acesso a uma alimentação equilibrada, é a obesidade, diabetes e doenças cardíacas.
Além disso, os desertos alimentares também podem afetar negativamente o desenvolvimento cognitivo e o desempenho acadêmico, especialmente em crianças e adolescentes.
Isso acontece porque a falta de nutrientes essenciais em suas dietas pode prejudicar a função cerebral e a capacidade de aprendizado. Resultando assim, em dificuldades educacionais e oportunidades limitadas no futuro.
Por fim, outra consequência é o impacto econômico, já que a falta de acesso a bons alimentos, aumenta os custos com saúde e tratamentos médicos.
Além disso, a falta de opções de alimentos frescos pode levar a uma menor produtividade no trabalho, uma vez que a nutrição inadequada pode afetar a energia e a concentração das pessoas.
Como reconhecer um deserto alimentar?
Reconhecer esse problema é o primeiro passo para resolvê-lo. Eles podem ser identificados pela escassez de supermercados, mercearias e feiras de alimentos frescos em uma determinada região.
Além disso, a falta de alimentos frescos e nutritivos também é um forte indicador, especialmente quando os moradores são dependentes de lojas de conveniências e fast-food, por exemplo.
Outro sinal de um deserto alimentar é a distância que os residentes precisam percorrer para encontrar alimentos saudáveis. Se a única opção está a quilômetros de distância, podemos dizer que aquele bairro vive em um deserto alimentar.
Desertos e pântanos alimentares: são a mesma coisa?
São conceitos diferentes, mas ambos representam um problema de saúde pública. Em um deserto alimentar, há escassez de alimentos nutritivos e acessíveis em áreas urbanas.
Enquanto isso, pântano alimentar é a abundância de alimentos processados e pouco saudáveis disponíveis.
O deserto alimentar é caracterizado pela falta de supermercados, mercearias e outras fontes de alimentos frescos em áreas específicas.
Já o pântano alimentar é a profusão de alimentos altamente processados, ricos em açúcares, gorduras saturadas e sódio. Esses alimentos são frequentemente promovidos por meio de marketing agressivo, tornando-os amplamente disponíveis e atraentes para os consumidores.
Como prevenir desertos alimentares?
Existem uma série de ações que podem prevenir os desertos alimentares. As políticas para redução de desigualdades, especialmente, com o aumento das condições de compra e movimentos de setores privados para levar alimentos à população necessitada. O Todos à Mesa é uma iniciativa do iFood que cria um ecossistema de doação.
Fora o que tange as ações acima, o que pode ajudar na prevenção de desertos alimentares é estimular que pequenos estabelecimentos comercializem mais produtos in natura.
Além disso, como citamos, a criação de hortas comunitárias em espaços públicos é uma boa opção.
Ademais, faz-se imprescindível criar o senso na população de que alimentação saudável é um direito e uma necessidade. No dia a dia, isso renderia refeições mais ricas nutricionalmente nas escolas, em restaurantes populares e refeitórios das empresas.
Como acabar com desertos alimentares?
Não é muito diferente das formas de prevenir, os meios de combater ou acabar com os desertos alimentares já existentes.
É necessário focar em iniciativas que intervenham no sistema alimentar, que vão do fomento à produção de alimentos agroecológicos e orgânicos até a possibilidade do uso de medidas fiscais. Abrindo-se, assim, um precedente para que os poderes discutam a taxação de produtos industrializados com alto teor de gorduras saturadas.
Existe um desalinho no preço de acessibilidade de produtos industrializados em relação aos alimentos in natura, e a diferença em termos de saúde do segundo para o primeiro é incomparável.
Desertos alimentares no Brasil: como está o panorama atual?
No Brasil, não é muito diferente dos demais países a realidade em que os desertos alimentares são percebidos nas zonas periféricas, subúrbios e pequenas cidades.
Essas últimas são ainda um desafio em termos de medição, visto que o órgãos como o CAISAN que estão em processo de andamento dessas pesquisas têm mais facilidade de mapear os índices nas regiões mais centrais e metropolitanas.
No mais, o Guia Alimentar para a População Brasileira (Ministério da Saúde) define como ideal o consumo de uma maior quantidade de alimentos in natura a redução de produtos processados e evitar os ultraprocessados.
O consumo diário mínimo recomendado é 400g de frutas e hortaliças, segundo a OMS. E os números espantam: apenas 24% dos brasileiros conseguiram atingir essa meta diária, de acordo com a Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN).
Para muitas famílias, frutas e hortaliças são alimentos “extras”. Só estão na mesa ou na dispensa quando sobra dinheiro e, ainda assim, as pessoas acabam não buscando alimentos pela falta do hábito e porque eles estragam mais rápido.
Como está a alimentação da população brasileira?
No Brasil, a tendência de consumo de alimentos vai de acordo com a oferta que a população encontra nas proximidades de suas residências. Quer sejam frutas e verduras, quer seja fast food ou snacks, as “besteirinhas” como muitos chamam, mas qual deles será que se encontram com mais facilidade nos quiosques e mercadinhos de regiões suburbanas?
Entretanto, ao optar pelo maior consumo desse tipo de alimento, temos no país que entre 2007 e 2017, os casos de hipertensão cresceram 14,2% e os de diabetes, 61,8%. Em 2021, mais de um quinto da população adulta está obesa, segundo dados do relatório “Estatísticas da Saúde Mundial de 2021”, divulgado pela OMS.
É preciso pensar em toda a cadeia alimentar no Brasil. É preciso um olhar mais urgente e pontual para a fome. Alimentos de boa qualidade para as próximas gerações dependem de esforços a médio e longo prazo no combate das inseguranças e desertos alimentares.