Os efeitos das mudanças climáticas não são iguais para todos. Eventos extremos, como tempestades que causam enchentes, afetam mais gravemente quem mora nas periferias das cidades. E são as pessoas mais pobres as que menos têm recursos para suportar altas temperaturas, uma vez que o uso de ventiladores e ar-condicionado é custoso demais para as famílias.
No Rio de Janeiro, moradores de favelas estão criando suas próprias soluções, acessíveis e sustentáveis para lidar com esses problemas. O jornal Folha de S.Paulo mostra três exemplos de projetos que tentam mitigar o impacto das mudanças climáticas com iniciativas que vão desde o teto verde até um sistema de tratamento de esgoto que usa biotecnologia para afastar mosquitos e doenças.
Teto Verde na comunidade Parque Arará
Luis Cassiano Silva é ativista ambiental e há nove anos criou o projeto Teto Verde Favela na comunidade onde mora, o Parque Arará, na zona norte do Rio de Janeiro. A ideia surgiu depois de mais um verão de muito calor.
O teto verde, que no caso da residência de Silva se estende para outros lugares, deu mais uma cor para a paisagem da região — agora o verde divide um espaço antes dominado pelo vermelho dos tijolos e o cinza das telhas de amianto — e um refresco para amenizar as ilhas de calor, em especial nos meses mais quentes do ano.
Segundo ele, a casa que só esfriava de madrugada, agora, com o teto verde, registra temperaturas de até 15ºC a menos do que na época em que só o amianto compunha o telhado. “A minha missão está aqui. Quero olhar e ver isso aqui tudo verde”, disse ele à Folha.
Cooperativa de reflorestamento
Carlos Antonio Pereira é um dos fundadores da Coopbabilônia, uma cooperativa de reflorestamento localizada no Morro da Babilônia, na zona sul carioca. Há duas décadas, ele participa de ações para recuperar uma área de 180 m² de Mata Atlântica.
Primeiro, contou com a prefeitura para essa missão. Em 2000, quando ajudou a criar a cooperativa, ele passou a ter também o apoio de um shopping para, além de reflorestar, promover o ecoturismo na região.
Segundo ele, 400 mil mudas já foram plantadas, o que mudou a paisagem e a frequência de visitas de aves nativas, como papagaios e jacupembas. “Quando a gente está lá no campo, plantando as mudas, contribuímos também para combater as mudanças climáticas”, disse Pereira ao jornal.
Esgoto tratado com biotecnologia
A comunidade do Vale Encantado, localizada no Alto da Boa Vista, também na zona norte do Rio, sofria com um problema (tristemente) muito comum a favelas e periferias do Brasil: o esgoto a céu aberto.
Por isso, a população de cerca de 100 moradores convivia com mosquitos, contaminação de rios e casos de diarreia, que só foram atenuados quando um biossistema ecológico para tratar o esgoto começou a funcionar. O sistema foi posto de pé por sete moradores do local e teve a “mentoria” dos engenheiros Leonardo Adler e Tito Cals, da PUC-Rio.
Neste biossistema, o esgoto é tratado em duas etapas. Na primeira, ele é levado por meio de tubulações até uma cúpula, onde bactérias degradam a matéria orgânica gerando biogás (que pode ser usado como fonte de energia), um composto líquido e um outro sólido, que fica nessa cúpula.
Em um segundo momento, o resíduo líquido da primeira etapa é transferido para um tanque para que as plantas filtrem os nutrientes que ainda podem ser aproveitados para limpar a água. Essa água vai para a Floresta da Tijuca (que fica ali perto) sem contaminantes ou produtos químicos. A expectativa é que, por ano, a obra criada na favela trate de 5 a 7,5 milhões de litros de esgoto.
“Uma obra desse porte precisa partir da comunidade, e não vir de fora para dentro”, disse Otávio Barros, presidente da associação de moradores do Vale Encantado e mestre de obras da construção do biossistema. Com córregos mais limpos, menos mosquitos e sem o mau cheiro, Barros comemora: “a natureza agradece. Além disso, ao encontrar um morador, a gente vê a alegria dele em ter o esgoto tratado”.