Em 2030, haverá 2 bilhões de pessoas a mais no mundo e uma demanda 60% maior por alimentos. Mais de 85% dessa necessidade adicional virá de países em desenvolvimento, como o Brasil, segundo a FAO (sigla em inglês para Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura).
Se hoje 881 milhões de pessoas passam fome em todo o mundo, o que pode ser feito para alimentar um contingente ainda maior de pessoas e, assim, cumprir a meta número 1 dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em 2030?
De acordo com a FAO, a primeira resposta a esse desafio será plantar mais. Ainda assim, mais de 660 milhões de pessoas em todo o mundo não terão dinheiro suficiente para comprar comida e continuarão desnutridas no início da próxima década.
“Para criar sistemas alimentares mais justos, precisamos ouvir os pequenos produtores e comunidades rurais e fazer amplas parcerias que garantam uma remuneração justa para todos eles. Uma prioridade será a precificação que reflita o verdadeiro custo de produção e traga mais recursos financeiros para as comunidades rurais mais vulneráveis”, afirmou Gilbert Houngbo, presidente do IFAD (sigla em inglês para o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola da ONU) no evento de abertura das celebrações do Dia Mundial da Alimentação, celebrado em 16 de outubro.
Outro entrave será o impacto ambiental do avanço da agricultura e da criação de animais, atividades que são enormes consumidoras de recursos naturais. O aumento de consumo de água para a agricultura será de 14% em 2030, conforme revelam dados da FAO. Hoje, a produção de um quilo de carne bovina consome 15.400 litros de água, enquanto a mesma quantidade de alface requer 240 litros e a de laranjas, 80 litros, segundo a ONG Water Footprint Network.
Por isso, especialistas apontam que, além de melhorar as tecnologias para um cultivo mais eficiente, será preciso pensar em outras saídas para aumentar o acesso aos alimentos em um futuro próximo.
Nesse sentido, será essencial transformar os sistemas alimentares para reduzir o custo de alimentos nutritivos e mudar nossos hábitos alimentares para ter um impacto mais saudável tanto na saúde como no ambiente, aponta o estudo State of Food Security and Nutrition in the World 2021, da FAO.
União de forças contra o desperdício
Quando se fala do campo, um dos pontos mais importantes para combater a fome é desenvolver soluções para reduzir o desperdício. “A cadeia do transporte de alimentos do campo à mesa é tão longa que o desperdício chega a 70%”, afirma Giuliano Bittencourt, fundador da Begreen, que criou, em 2017, a primeira fazenda urbana da América Latina –e operacionaliza a horta urbana instalada na sede do iFood em Osasco (SP).
As hortas urbanas, cultivadas em espaços ociosos em prédios, escolas, estacionamentos e outros espaços nas cidades, já são realidade no Brasil e usam a tecnologia para otimizar o uso de recursos naturais, ter boa produtividade e fazer os alimentos chegarem a quem mais precisa: quem vive nas zonas periféricas de grandes cidades. “As hortas urbanas reduzem o desperdício para 2%, e a produção consome 90% menos água”, completa Bittencourt.
Outros fatores que aumentam o desperdício de alimentos que estão em bom estado são o descarte de frutas, legumes e verduras que não estão com a aparência perfeita e o não aproveitamento do excedente de alimentos em indústrias, que não chegam em tempo hábil às prateleiras dos mercados.
A revolução da carne
No Food Systems Summit de 2021, a ONU (Organização das Nações Unidas) traçou seis trilhas de ação para combater o desafio de prover a todo mundo a melhor alimentação possível. Entre elas, estão garantir o acesso a alimentos nutritivos, mudar os padrões de consumo para que sejam mais sustentáveis e otimizar o uso de recursos ambientais na produção de alimentos.
A preocupação com se alimentar de uma forma saudável para o corpo e para o ambiente se conecta com o aumento do interesse dos consumidores pela chamada clean food, ou seja, alimentos menos processados ou cuja produção seja de baixo impacto ambiental –uma forte tendência global até 2023, segundo um estudo realizado pela consultoria global Kearney.
Até lá, haverá uma “notável mudança na produção de carne”, aponta o estudo. “A maneira como obtemos proteínas está à beira de uma profunda disrupção. Os investimentos mais inovadores e com potencial de virar o jogo são em carnes cultivadas e em alternativas para satisfazer a demanda por proteína sem uso de carne animal.”
Mas, para realmente mudarmos nossos hábitos à mesa, será preciso ter alternativas disponíveis. E uma das tecnologias que estão avançado é a produção de carne a partir de outras fontes –como insetos, legumes e de tecidos dos próprios animais, cultivados depois em laboratório.
“É preciso questionar por quanto tempo a criação de animais será sustentável, uma vez que ela consome grandes quantidades de comida e água e tem sofrido com doenças que se alastram e comprometem a produtividade”, comenta Gustavo Guadagnini, diretor executivo do The Good Food Institute Brasil, ONG internacional focada na transformação do sistema de produção de alimentos.
“O maior problema da cadeia de produção de proteína hoje é a Peste Suína Africana, uma doença que tem matado populações de porcos na China, no Leste Europeu e chegou perto dos Estados Unidos.”
Ele acrescenta que mesmo com o crescimento do vegetarianismo e do veganismo, o consumo de carne tem aumentado no mundo –e em 2021 deve subir mais 1%, segundo a FAO. Isso porque, quando a renda das famílias cresce, tende a aumentar também o consumo de carne.
Por isso, em vez de convencer as pessoas a deixarem de consumir essa proteína, a saída é produzir alternativas sustentáveis à carne animal. “Comer carne está ligado à cultura e à nossa socialização. O brasileiro não vai deixar de fazer churrasco”, diz Gustavo. “A saída é usar a tecnologia, como o plant-based e a carne cultivada, para entregar a comida que a pessoa gosta. Isso não é uma moda, é a maneira como vamos fazer comida no futuro.”