Um dia para jamais esquecer

Na última semana, tive a oportunidade de ser uma das painelistas do 2a mesa redonda do evento “Mulheres Negras e o mundo do trabalho”, promovido pelo Ministério da Igualdade Racial, na ENAP (MIR) em Brasília (DF).

Antes de me tornar Foodlover, trabalhei na área de Tecnologia por 24 anos e meio e fiz inúmeras ações afirmativas para trazer Mulheres e Pessoas Negras para o jogo. Fundei o Arquipélago das Vagas, iniciativa que ajuda pessoas desempregadas a voltarem ao mercado de trabalho e a encontrarem novas perspectivas de carreira na Tecnologia. Atualmente, como Diretora de Equidade do iFood, venho realizando o sonho de, enfim, atuar exclusivamente com Impacto Social.

A proposta central era partilharmos as dores e vitórias de nossa jornada no mercado de trabalho, nos segmentos nos quais estamos inseridas.

Foi incrivelmente especial ouvir aquelas mulheres e ver tantas outras na platéia derramarem lágrimas ao me ouvir por se identificarem comigo e com a minha história. Aliás, por mais empatia que se tenha, creio que nenhuma pessoa de recortes de raça e de gênero diferentes de mulher negra seria capaz de sentir tão intensamente essas partilhas. Portanto, me resta sintetizar o papel de cada uma delas e as falas que mais me impactaram na expectativa que façam a diferença também na vida de outras pessoas que não puderam estar lá, inclusive de pessoas de outras etnias e gêneros para que possamos construir, cada vez mais, a consciência do quão urgente e necessária é a educação antirracista.  

A primeira mesa redonda, mediada por Márcia Lima, secretária de Políticas Afirmativas do MIR, reuniu mulheres negras protagonistas no serviço público: uma juíza, duas pesquisadoras que se tornaram diplomatas e duas pesquisadoras que viraram gestoras. A maioria delas estão alocadas em pastas de diretorias dos ministérios do Governo e, sendo muito honesta, não tenho palavras para traduzir aqui o que foi ouvir cada uma dessas falas tão potentes/impactantes. Confira abaixo:

Tatiana Dias, pesquisadora e diplomata soteropolitana, diretora de Gestão da Informação do MIR. Passou a maior parte da carreira sendo questionada se trabalhava em uma outra repartição pública de menor relevância, simplesmente por ser preta. De tão sabida, ela foi parar em Brasília depois de ler um anúncio, em um jornal impresso, sobre o concurso que a levou a se tornar pesquisadora /servidora pública. 

Aparecida Chagas, diretora de Inovação em Serviços Públicos do MGI. Pesquisadora criada em um quilombo em Mato Grosso que tem uma certeza: deve muito às lideranças articuladas da sua terra natal que, reconhecendo o seu talento, a orientaram a se tornar pesquisadora e servidora pública, o que nos mostra como as comunidades negras se organizam para formar líderes e o quanto esse exemplo precisa ser repetido para que, um dia, tenhamos mais negros tomando decisões nas iniciativas públicas e também privadas.

Roseli Faria, diretora de Promoção de Direitos da Secretaria da Justiça. Planejadora que, logo que chegou em Brasília, entendeu a necessidade de se aquilombar por caminhos não convencionais, já que quase não existiam outras iguais a ela no serviço público. Foi no salão de beleza da Graça (ativista antirracista), que encontrou o apoio que precisava para sobreviver no serviço público nos primeiros anos. 

Paula Gomes, diplomata e chefe da Assessoria Internacional do MIR. Depois de cumprir missão internacional, se emocionou, em um primeiro momento, ao voltar e ver a evolução da representatividade dentro do Itamaraty. Na mesma medida, se assustou com os casos de burnout que suas colegas atravessavam, possivelmente causados pela solidão racial / autopressão para serem exponencialmente melhores, em busca do próximo passo, rumo ao protagonismo /liderança.

Karen Luise Vilanova, juíza auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJI). Gaúcha nos trouxe os recortes do preconceito racial na capital menos negra do país, no contexto de 30 anos atrás e que tem sobrevivido no cenário da Justiça Federal, articulando comunidades de juízes negros que se aquilombam e se apoiam, em busca de equidade nas tomadas de decisões.

Um abraço para mais de mil palavras

Na segunda mesa redonda, mediada por Natalia Nerys, coordenadora geral de Políticas de Ações Afirmativas do MIR, tive a honra de ser painelista ao lado de aliadas na luta antirracista atuantes nos segmentos Inovação, Ciência, Empreendedorismo e Tecnologia e que apresento logo abaixo. 

Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta que, antes de tantos outros movimentos, cavou, com as próprias mãos, os primeiros espaços para o empreendedorismo negro. Por conta isso, nos últimos 20  anos, impactou milhares de empreendedores pretos e pardos.  

Nina da hora, a menina que tem de idade praticamente o mesmo tempo que eu tenho de profissão. Me emocionou por ter me mostrado que se hoje as mulheres da geração dela tem tanta liberdade de pensamento é porque eu e minhas contemporâneas viemos antes, pavimentando os caminhos. Diva contemporânea, Nina é autora de algoritmos que, hackeando o próprio sistema, buscam justiça cibernética. Ela agitou a plateia com as vitórias que tem alcançado, mas, foi ao partilhar suas auto-sabotagens que colocou todo mundo pra pensar.

Jaqueline Góes, biomédica e pesquisadora, integrante da equipe responsável pelo sequenciamento do genoma do vírus SARS-Cov-2. Durante suas partilhas de sucesso científico, enfatizou a acolhida de suas mestras/professoras como ponto fundamental para que não desistisse do caminho, mesmo diante de  todas as adversidades, sobretudo as causadas pelo racismo estrutural. 

Antes de fecharmos o painel, eu não resisti em fazer o meu papel de sempre, que é o de conectar “ilhas”. Estavam ali a Academia – representada pelas cientistas Nina da Hora (Tecnologia), Jaqueline Goes (Medicina) e por mim, que sou Docente de MBA há alguns anos, o Governo  – nessa ocasião, por meio do MIR, com quem já estamos, há alguns meses, em processo de construção de pontes –, a Iniciativa Privada – (o iFood representado por mim e a Thoughtworks representado pela Nina –e o Empreendedorismo Preto – por meio da Adriana Barbosa (não posso deixar de citar o quanto o hub Feira Preta tem match com nosso Programa iFood Acredita, que tem sido liderado aqui internamente por mim e que nasceu para fomentar os restaurantes de empreendedores pretos e pardos do nosso ecossistema).

No painel da manhã, as perguntas haviam sido pautadas na preocupação com os próximos passos para, além da Inclusão, melhorar a acolhida à mulher negra nas iniciativas públicas e privadas. 

Como recém chegada ao Conselho do Movimento Tech, tenho me colocado a serviço para alcançarmos maior escala de empregabilidade/retenção das pessoas que formamos nas empresas. Além do iFood e da XP (mantenedores do Movimento Tech), temos quase 40 parceiros estratégicos e estamos trabalhando para: 1) pelo menos dobrarmos o número de parceiros nos próximos meses; 2) para que existam compromissos de cada uma das empresas com a contratação desses profissionais e com a retenção de pelo menos uma parte das pessoas que formamos. 

O grande sonho aqui é chegarmos ao ponto de conseguir incentivos fiscais, via governo, para as empresas que fizerem contratações afirmativas, por meio de movimentos agnósticos e, nesse caso, o Movimento Tech, será só um deles. 

Os sonhos são grandes, as possibilidades de atendimento das demandas não são ágeis como gostaríamos, mas Angela Davis já dizia: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. 

Dito isto, na minha cabeça, eu já nos vejo, lá na frente, celebrando a escala desse sonho grande, junto a essas e tantas outras mulheres negras e brancas aliadas, que estão focadas nesse objetivo. E, aqui, incluo, com orgulho, as representantes do Ministério da Igualdade Racial. Afinal, por meio da figura central da mulher negra potente que é a Anielle Franco, há um grupo especial de mulheres, que já considero parceiras chave, como elo, dessa nossa –fundamental – estratégia coletiva de transformação.

Ao final, quase perdi o voo de volta, visto que não podíamos sair dali, sem permitir que, como em todo bom aquilombamento, a platéia pudesse nos abraçar. 

Conheça o rosto dessas mulheres incríveis

Sobre Angel Vasconcelos

Diretora de Equidade do iFood, Angel é a mais nova colunista do iFood News. Equilibrista, sempre conciliando família, carreira e projetos sociais, Angel é realizada por ter alcançado sucesso profissional contra todas as probabilidades. Nascida e criada na periferia de Osasco, frequentou e se formou em escola pública. Inconformada, desde sempre, com o fato de boa parte das pessoas a sua volta, sobretudo as negras, não terem as mesmas oportunidades de formação e carreira, fundou, em 2020, a ONG Arquipélago das Vagas, que sob o slogan “Não são apenas números. São Histórias” foi idealizada para transformar amplamente os números de tantas histórias anônimas. Além de foodlover, Angel é professora do MBA da Faculdade de Informática e Administração Paulista (FIAP), Conselheira do Movimento Tech, palestrante de temas como Tecnologias Disruptivas e ESG & Riscos, co-autora dos livros Mulheres na Tecnologia (Editora Leader) e Diversidade & Inclusão (Academia Europeia de Alta Gestão). Em todos esses espaços, tenta conectar ilhas isoladas com o intuito de fomentar transformações sociais em larga escala.Para isso, está disposta a abrir mão de seus próprios privilégios e a não abrir mão de seus princípios. Um deles, por sinal, inegociável: não trabalha mais apenas com pessoas brancas e heteros. Se pessoas da diversidade não forem inseridas no jogo, ela se retira.

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