Restaurantes, bares, lanchonetes e padarias podem doar comida que sobra? Sim!
Desde 24 de junho de 2020, a Lei 14.016 autoriza os estabelecimentos que produzem ou fornecem alimentos (in natura, industrializados e refeições prontas) a doar o que não conseguiram vender e assim contribuir para reduzir o avanço da fome e da insegurança alimentar no Brasil, onde 33 milhões de pessoas não têm o que comer.
Infelizmente, muita comida é desperdiçada. Um estudo feito pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) estimou que, em 2019, 931 milhões de toneladas de alimentos, ou 17% do total disponível aos consumidores de todo o mundo, foram para o lixo de residências, varejo, restaurantes e outros serviços alimentares. Essa quantidade lotaria 1,6 milhão de aviões do modelo Airbus A380, a maior aeronave comercial do mundo.
A fatia dos restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação nesse desperdício é de 5%, segundo a ONU —e pode ser reduzida por meio da doação daquilo que não foi vendido e ainda pode ser consumido (e dentro do prazo de validade) para quem precisa ou para intermediários, como ONGs e bancos de alimentos.
Para descobrir como restaurantes, bares, lanchonetes e padarias podem doar alimentos de maneira segura, o iFood News conversou com as especialistas Keli de Lima Neves, mestre em nutrição e dietética e consultora de segurança de alimentos na BRQuality, e Adriana Leal, nutricionista da ONG Gastromotiva.
O que pode ser doado?
Segundo a legislação, todo alimento que esteja dentro do prazo de validade e seguro para consumo, sem contaminação física, química ou microbiológica. “O que precisamos nos perguntar na hora que estamos separando um alimento para doação é se estamos doando algo que comeríamos. Essa é uma premissa básica”, diz Keli.
Por isso, nem todo o excedente pode ser doado. As sobras, que são alimentos não distribuídos e mantidos em condições de segurança de conservação podem ser doadas. Já os restos, ou seja, tudo aquilo que foi servido e manipulado pelo cliente, não. “A cozinha é como se fosse um cofre que protege a comida”, diz Adriana.
Como essa doação tem de ser feita?
Alimentos industrializados e não perecíveis precisam estar dentro do prazo de validade. “Se a embalagem foi violada, mas imediatamente houve um cuidado para colocar em outra embalagem, esse alimento pode ser doado”, a nutricionista da Gastromotiva.
Se o alimento precisa ser mantido congelado ou refrigerado, deve permanecer sob essas condições até a hora em que for disponibilizado por quem irá receber a doação.
Já alimentos prontos, como as refeições, têm todo um cuidado que deve ser seguido. Nada muito diferente do que já prevê a Resolução nº 216 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Segundo Adriana, se o estabelecimento segue essas normas, está habilitado a doar com segurança seu excedente.
Por enquanto, não há uma regulação sobre como essa doação deve ser feita. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), anunciou, em 2021, que iniciou um processo de Análise de Impacto Regulatório (AIR) de regularização da doação de alimentos com segurança sanitária. Esse estudo faz parte da Agenda Regulatória 2021-2023 do órgão e está previsto para ser concluído em 2023 (sem data estipulada).
De uma forma geral, explica Keli, quem doa alimentos prontos deve:
- Manter sob correta condição de armazenamento até o momento do consumo. Ou seja, a comida que estava aquecida deve ser refrigerada depois do encerramento das atividades da cozinha e não pode ficar exposta à temperatura ambiente.
- Utilizar embalagem apropriada (descartável ou retornável), limpa e fechada.
- Identificar o conteúdo da embalagem com: tipo de alimento; data de preparação e temperatura ideal de conservação.
Intermediários do processo de doação (ONGs, bancos de alimentos, Igrejas e outras instituições) podem fazer uso de duas cartilhas do governo federal para avaliar os alimentos que foram doados e as recomendações de manipulação segura dos alimentos que chegam até eles.
Para quem o restaurante pode doar?
A legislação aprovada em 2020 é bem ampla. Restaurantes, lanchonetes, cooperativas, supermercados, hospitais e estabelecimentos que forneçam refeições para seus empregados ou clientes em geral podem doar de maneira direta (ou seja para uma pessoa ou grupo de pessoas), em colaboração com o poder público, bancos de alimentos, entidades beneficentes de assistência social ou entidades religiosas.
“Eu posso doar para a creche, ou para o asilo, ou para a Igreja, ou para quem tiver perto de mim”, diz Adriana. “Essa lei veio para facilitar a gente matar um pouco da fome do vizinho do restaurante.Não tem um restaurante que alguém não bata na porta e não peça comida. É pegar o que tem e ir ali perto doar. Não precisa ir longe”, sugere.
O que mais pode ser feito para evitar o desperdício de comida?
A lei 14.016 foi criada para se tentar combater o desperdício de alimentos e incentivar a doação de excedentes para o consumo humano. Mas, além disso, é possível adotar algumas atitudes para que parte dos custos de um restaurante não vá parar no lixo.
Cuidar do estoque, fracionar as compras, adotar modos de preparo que causem um desperdício menor são algumas ações. Além disso, é possível conhecer melhor a clientela e identificar aquilo que sobra e promover alterações no cardápio ou na apresentação dos pratos.
“É preciso pensar na forma consciente de como levar a refeição para a mesa, para não ter restos de alimentos. Se tiver de sobrar algo, que seja na cozinha, que poderá ser doado”, diz Keli.