Paciência e obstinação: como Mona Oliveira criou a BioLinker

Carrinhos de fricção podem ser um bom exemplo de como a paciência e alguns “passos para trás” podem fazer sonhos tomarem corpo e ir longe, bem longe. Mais ou menos como tem sido a trajetória de Mona Oliveira, mãe, cientista e empreendedora —ela é fundadora e co-CEO da BioLinker, startup brasileira de biotecnologia que recebeu investimento de Fabricio Bloisi, presidente do iFood.

“Eu sou uma pessoa teimosa e obstinada. Graças a essa obstinação, estou aqui hoje”, ela resume durante uma conversa de mais ou menos uma hora ao som de almoço sendo preparado e a cantoria de seu segundo filho, Dario, de 5 anos.

Mona fala em obstinação porque teve de recuar e ter paciência para transformar em negócio aquilo que aprendeu e descobriu em sua trajetória acadêmica. O primeiro passo para trás — ou a primeira acumulada de energia do carrinho de fricção— foi bem no início de sua trajetória, quando começou a cursar medicina veterinária na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

“Eu tinha acabado de entrar na faculdade e engravidei da minha primeira filha, Lana. Quando estava no sétimo mês de gestação, o pai dela morreu em um acidente de bicicleta”, relembra. “Fui mãe solo por muitos anos. Tive o apoio de mulheres fortes, como minha mãe e a minha sogra, mas tive de lidar com algo novo, a maternidade, e um ambiente novo, a faculdade, em que não existem muitas mães”.

A maternidade nessas circunstâncias fez Mona cultivar a paciência. “Eu já não era mais rápida como uma lebre. Era mais uma tartaruga, porque levava a minha filha comigo para todos os cantos. Professores chegaram a carregá-la para que eu pudesse fazer as provas”, lembra.

Nessa época, ela percebeu que não conseguiria “competir” com outros estudantes e que precisaria se adaptar à condição do momento. Por isso, optou por uma grade menor e aproveitava as brechas que apareciam no dia para estudar. “Cheguei a duvidar de que concluiria a faculdade. Mas eu costumo dizer que a minha filha foi responsável por eu virar cientista.”

A paixão pela bioquímica e o encontro com a biotecnologia

Foi na faculdade, durante esse período de acúmulo de energia para os estudos, que Mona conheceu a bioquímica e a biologia molecular e se apaixonou por essas áreas, para as quais direcionou a sua carreira acadêmica. Foi então que ela percebeu que poderiam empreender nesses novos campos.

Mona vem de uma família de empreendedores: seu pai tinha uma fábrica de calcinhas, e a mãe, uma loja de roupas. Mas o conselho que sempre recebeu deles era outro: “estude para ser professora universitária”. Era esse o caminho que estava sendo trilhado, mas seu carrinho de fricção recuou mais um pouquinho para ganhar energia.

Mona escolheu fazer na Bahia o mestrado em biotecnologia. E foi lá que o espírito empreendedor resolveu dar as caras. Sua pesquisa resultou no desenvolvimento de novas drogas para o tratamento de tumores no cérebro, baseadas em moléculas naturais, que obtiveram uma resposta muito boa para tratar a doença.

“Eu fiquei simplesmente assim: apaixonada. Não só pelos resultados, mas pela ideia de conseguir desenvolver algo que poderia impactar a vida de várias pessoas”, lembra. Do mestrado, Mona partiu para o doutorado em bioquímica em São Paulo. Depois, pelo então programa Ciência sem Fronteiras, foi estudar nanotecnologia na Eslovênia. Lana, sua fiel escudeira, sempre esteve ao lado da mãe.

Na Europa, ela se casou com Sandi Ravbar (o outro CEO da BioLinker) e teve Dario. Foi nessa época que Mona teve a ideia de negócio de sua atual startup, que veio durante a licença-maternidade do segundo filho. “São irmãos da mesma idade”, brinca.

Mona continuou trabalhando com as drogas para o câncer, mas de forma diferente. Mesmo com dificuldade em desenvolver essas biomoléculas, ela percebeu que existia um potencial de fazer isso de forma mais acelerada.

Foi então que ela se associou a outros dois colegas e inscreveu a ideia de produção de proteínas recombinantes com uso de tecnologia em duas aceleradoras de startups, uma na Irlanda e outra nos Estados Unidos. A investidora do país europeu fez uma proposta de US$ 100 mil, mas quando parecia que a ideia iria deslanchar, mais uma vez foi preciso girar a rodinha do carrinho de fricção para trás, pois os sócios de Mona queriam ir para o Vale do Silício.

“Eu tive a primeira grande lição sobre um dos grandes motivos de startups se destruírem: a sociedade não é uma brincadeira”, diz. Se por um lado não foi possível receber o investimento, por outro havia ali a certeza de que aquela ideia tinha futuro.

A volta para o Brasil para fundar a BioLinker

A trajetória de Mona traz muitos aspectos de respeito ao tempo e às condições impostas pela vida. E isso ajuda explicar por que ela e a família voltaram para o Brasil para empreender. Mais uma vez, as rodinhas do carrinho giravam para trás.

“Na Europa eu não tinha uma rede de contatos boa. E o meu português é melhor do que o inglês. Na área de negócios, a comunicação é extremamente importante”, diz. 

Mona tentou emplacar a ideia por lá, mas pesou na balança e decidiu que seria melhor começar algo dentro das limitações que encontraria no Brasil do que correr o risco de ver outra pessoa fazendo algo semelhante antes. 

Mona, Lana, Dario e Sandi voltaram. Aqui, ela e o marido fundaram a startup que desenvolve, no laboratório, proteínas recombinantes utilizando uma tecnologia que torna a síntese desse material cerca de 100 vezes mais rápida do que o modo tradicional. 

Essas proteínas recombinantes têm sido usadas por laboratórios de pesquisa e indústrias para o desenvolvimento de produtos biofarmacêuticos voltados para o tratamento de câncer, desenvolvimento de alimentos mais saudáveis, melhoria das colheitas de culturas agrícolas e na vigilância de casos de doenças como a Covid-19.

Com seis meses de vida, a startup recebeu investimento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE). Em 2019, a BioLInker foi eleita como uma das 500 startups mais promissoras do mundo pelo Hello Tomorrow Challenge. 

Em junho de 2022, a empresa recebeu um investimento de Fabricio Bloisi, presidente do iFood, para expandir a capacidade de desenvolvimento e produção da nova sede da empresa, em Cotia (SP). Com um laboratório maior, será possível aumentar a escala de produção e definir qual segmento de atuação a empresa deve voltar o seu foco para atuar melhor.

Já é hora de soltar o carrinho e ver até onde ele consegue ir!

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