Reconectando as pessoas com seus alimentos

Conheça a história de Rafael Coimbra, o publicitário que deixou as agências para investir em um novo modelo de produção e venda de cestas orgânicas

Ainda bem jovem, o publicitário Rafael Coimbra assumiu grandes responsabilidades na carreira —especialmente depois que ele fundou uma agência focada em monitoramento de redes sociais para grandes clientes, como bancos e cervejarias, logo no início dessa onda, em 2012.

O sucesso veio; a satisfação, não. “Quando vi, estava afundado em trabalho, com vários quilos a mais, fumava e bebia bastante, havia me desconectado da minha família, dos meus amigos, que são muito importantes para mim”, lembra. Nesse momento, ele parou para refletir sobre onde queria estar em dez anos. “A resposta foi que eu não precisava daquilo.”

Para começar a sua mudança de vida, Rafael tirou o pó de uma bicicleta que estava encostada em casa e começou a pedalar na fazenda da família nos finais de semana. O esporte o estimulou a buscar uma alimentação saudável, e ele se interessou pelos alimentos orgânicos.

“Descobri que não basta comer melhor, temos que entender de onde vem a comida. Comecei a pensar se fazia sentido comer um alimento que faz mal para os agricultores ou que está acabando com o meio ambiente”, conta. Na busca pelos orgânicos, surgiram novas questões. “As perguntas batiam na minha cabeça: por que orgânico era tão caro e difícil de achar?”

Um dia, ele e o sócio estavam em uma reunião com um cliente da área de alimentação que tinha um produto que poderia fazer mal à saúde de um grupo de pessoas. Para Rafael, que já estava embalado no movimento dos orgânicos, foi a gota d’água. “Naquele dia, eu soube que não queria mais fazer isso. Vendi minha parte na empresa e saí. Mas não sabia o que queria fazer depois.”

A origem da Sta. Julieta Bio

Em 2014, enquanto refletia sobre seu futuro profissional, Rafael foi trabalhar na empresa da família. “Vim de uma família que exporta café solúvel. Meu avô era um empreendedor, tinha uma condição financeira privilegiada, por isso eu consegui ter esse tempo para pensar e para fazer trabalhos voluntários, porque eu gosto mesmo de ajudar as pessoas. Era isso o que eu queria fazer.”

Ainda mergulhado na pesquisa sobre alimentação orgânica, ele se empolgou ao ler o livro “Em Defesa da Comida – Um Manifesto”, de Michael Pollan. “Ele incentivava a plantar, a cozinhar o que a gente iria comer. Eu li isso e fui para a fazenda com sustentabilidade na cabeça. Quando tirei do porta-malas a cesta de orgânicos que eu havia trazido de São Paulo e olhei para o campo, tive um estalo: eu vou plantar aqui.”

No dia seguinte, Rafael reuniu o pessoal da fazenda para planejar a sua horta orgânica. Pouco a pouco, foi falando dos métodos, das regras, de como resolver os problemas sem usar químicos. Começou com uma pequena horta para abastecer a família e os amigos com alimentos como alface e rabanete. A prática de cultivar seus alimentos foi fortalecendo a sua conexão com a terra.

Outro momento importante foi quando, voltando para São Paulo com uma cesta de orgânicos cultivados na sua fazenda, ele parou em um posto e surpreendeu o frentista com a sua colheita. “Fui pegar algo no porta-malas, ele viu a cesta e disse ‘nossa, que bonita’. Quando eu agradeci, ele se espantou: ‘é você que planta? Não é possível, orgânico é tudo feio e caro.’ Eu dei a cesta para ele experimentar. Logo depois, fui tomado por uma sensação de estar completo. O ciclo tinha se fechado: eu tinha plantado e ajudado uma família a comer melhor naquela semana. Então eu decidi trabalhar na fazenda.” 

Em 2017, nascia a Sta. Julieta Bio, na fazenda da família em Santa Cruz da Conceição, a 220 quilômetros da capital paulista. Com a ajuda de um engenheiro agrônomo, Rafael passou a plantar alimentos sem agrotóxicos e com a certificação do Instituto Biodinâmico (IBD). 

Ao ter mais contato com a produção e a distribuição de alimentos, ele decidiu que queria fazer diferente. “Eu via produtores de orgânicos sempre com a corda no pescoço. Não queria ser o agricultor convencional e ficar amarrado a uma cadeia de distribuição onde eu tenho que chegar a um padrão e preço específicos”, conta. “O trabalho do produtor rural é muito importante, mas pouco valorizado.”

Um novo modelo de produção

Quando ouviu seu parceiro agrônomo falar do modelo CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura), tudo fez sentido. “Um grupo de pessoas se junta para subsidiar a produção de uma fazenda e faz o pagamento com antecedência. Assim, o produtor recebe três, seis meses antes e pode plantar, programar, contratar, comprar semente e maquinário, definir o que precisa ser melhorado, o que vai ser plantado”, explica o empreendedor. “Vi que esse modelo era realidade em outros países e achei que poderia dar certo. Decidi apostar.”

Em troca desse apoio financeiro a uma produção bem planejada, os consumidores recebem uma cesta semanal com o que tem de melhor na colheita —que a Sta. Julieta Bio disponibiliza para retirada ou entrega de bicicleta. “É um modelo que faz a conexão dos produtores rurais com os consumidores da cidade. A gente não chama de cesta, chama de cota.”

A Sta. Julieta Bio começou com seis clientes apoiadores e foi ampliando o alcance. “Quando chegamos a São Paulo, um amigo falou da gente na escola da filha. Demos um baita salto e fomos para 50 membros”, relembra Rafael.

No boca a boca, a empresa ampliou a distribuição para a Vila Olímpia, os Jardins e a Vila Medeiros e começou a apresentar sua proposta diferenciada para chefs de cozinha como Alex Atala (D.O.M.), Rodrigo Oliveira (Mocotó) e Jefferson Rueda (A Casa do Porco). “Acredito que chefs de cozinha podem ser agentes de transformação e explicar o que eu faço, que não é só vender uma cesta.”

O sonho grande de Rafael

Hoje, a Sta. Julieta Bio tem 250 clientes que financiam a produção rural na fazenda da família de Rafael, entre clientes particulares e restaurantes que recebem sua cesta de orgânicos e as indústrias para quem a empresa fornece batata doce, feijão e grão de bico.

Alguns deles já visitaram a fazenda para saber como os alimentos são cultivados. “A conexão dos consumidores com os produtores alinha as expectativas. Um dia, o tomate chegou com broca. Estava bom para o consumo, mas se eu mandasse sem avisar, talvez o cliente jogasse no lixo. Mandei foto, vídeo e dei a opção de não enviar. Para a minha surpresa, todo mundo quis. Alguns até fizeram piada: ‘olha, eu sou vegana, não vou comer bichinho, hein?’.”

Agora, Rafael quer levar suas cestas e o modelo CSA para o resto do Brasil. “Vamos nos reestruturar para plantar com mais efetividade, reduzindo custos e em parceria com outros produtores”, revela. “Não quero ser um entreposto, senão vou virar mais um. Quero ser um facilitador da produção de orgânicos e escalar o modelo para todo o Brasil.”

Ele também alimenta um sonho grande. E conta para nós: “eu quero que as pessoas tenham acesso a mais alimentos orgânicos locais, direto dos produtores, que conheçam e se importem com seus produtores e saibam de onde vem o seu alimento.”

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