Diversidade: 12% da população brasileira se identifica como ALGBT

Estudo inédito feito por Unesp e USP revela nuances da identificação de gênero e da orientação sexual no país e mostra que violência sexual é maior contra pessoas trans

Cerca de 19 milhões de pessoas adultas no Brasil se declaram assexuais, lésbicas, gays, bissexuais ou transgênero (compondo a sigla ALGBT), o que corresponde a 12% da população do país, revela um estudo inédito realizado por pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e da USP (Universidade de São Paulo).

Pela primeira vez esse tipo de pesquisa é realizada em um país latino-americano, informa o Jornal da Unesp. O estudo, fruto do pós-doutorado do psiquiatra Giancarlo Spizzirri, foi realizado por meio de 6.000 entrevistas conduzidas pelo Instituto Datafolha com pessoas com mais de 18 anos em 129 cidades.

Em 2019, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) fez algo semelhante em sua primeira coleta de dados sobre orientação sexual no país. No levantamento, 1,8% da população adulta se declarou homossexual ou bissexual. No entanto, a pesquisa não contemplou informações sobre assexualidade e identidade de gênero, que envolve categorias como pessoas trans e não-binárias.

Já na pesquisa da Unesp e da USP, as perguntas foram elaboradas para evitar confusões e constrangimentos que podem surgir com os termos de identificação de gênero e orientação sexual. “Muitas pessoas têm dificuldade de assumir que são homossexuais. Existem pessoas que nem sabem o que é esse termo. Além disso, há também a questão do comportamento. A pessoa pode se comportar de uma determinada maneira e não se identificar com o termo que designa esta categoria”, comenta Giancarlo.

Um exemplo: os entrevistadores da pesquisa faziam perguntas como: “você sente atração sexual por…?”, cujas respostas poderiam ser “homens”, “mulheres”, “homens e mulheres”, “homens e às vezes mulheres”, “mulheres e às vezes homens” ou “não sinto atração sexual”.

Sobre a identidade de gênero, o questionamento era iniciado pela pergunta “qual destas opções melhor descreve como você se sente?”. A partir daí, os entrevistadores faziam outras perguntas, sem a necessidade de usar termos como “transgênero” ou “não-binário”.

É importante notar, ressalta Giancarlo, que o levantamento leva em conta questões de diversidade sexual e de gênero. “Quando a gente fala de diversidade, não estamos nos referindo apenas a identidade de gênero ou a orientação sexual, por exemplo, e sim a práticas e identidades que fujam dos padrões binários e cis-hétero-normativos”, explica.

Comunidade assexual

Para Giancarlo, alguns resultados da pesquisa merecem destaque: o primeiro é sobre a parcela da população categorizada como assexual —equivalente a 5,76%, o maior percentual dentro da comunidade ALGBT na pesquisa. 

A segunda maior porcentagem foi a de bissexuais: 2,12%. Entre as pessoas entrevistadas, 1,37% afirmou ser gay, 0,93% disse ser lésbica e 0,68% se identificou como transgênero (outro 1,18% correponde a pessoas não-binárias).

A assexualidade não se enquadra nem em orientação sexual, nem em identidade de gênero: fica no campo da diversidade. Segundo Giancarlo, o grupo é invisibilizado até mesmo em discussões dentro da comunidade ALGBT.

“Vivemos em uma sociedade que cultua muito a imagem e a sexualidade, principalmente para os jovens. Então, como a erotização está muito presente, imagino que as pessoas tendem a ocultar uma forma de experimentar a sexualidade que é distinta”.

Apesar do grande número de pessoas classificadas como assexuais, Giancarlo explica que seria necessário outro estudo para afirmar com certeza se todas estão, de fato, nessa identidade. 

Violência contra pessoas ALGBT

O segundo ponto que o pesquisador destaca é a respeito da violência: de acordo com a pesquisa, pessoas trans podem chegar a sofrer até 25 vezes mais episódios de violência sexual do que homens hetero cisgênero. 

“Pessoas ALGBT enfrentam piores condições de vida e índices de violência mais altos. O grupo luta contra a desigualdade socioeconômica, o estigma e a discriminação. Isso tem um efeito negativo na escola e no trabalho, bem como no acesso aos serviços de saúde. Como consequência, indivíduos ALGBT têm taxas mais altas de problemas de saúde física e mental”.

De acordo com o estudo, entre os quatro tipos de violência levantados, homens heterossexuais e cisgênero são os que mais reportaram sofrer violência física. Pessoas transgênero foram as que mais reportaram ter sofrido violência psicológica, enquanto indivíduos não-binários são os que mais sofrem com violência verbal.

A respeito da violência sexual, os números são muito mais díspares: em comparação com as respostas de homens hétero cisgênero, mulheres hétero cisgênero reportaram sofrer quatro vezes mais episódios de violência sexual, e as mulheres assexuais, aproximadamente cinco vezes mais. Mulheres lésbicas relataram seis vezes mais episódios de violência sexual e mulheres bissexuais, 12 vezes mais.

Ainda em comparação com as respostas de homens hetéro cisgênero, pessoas trans relataram 25 vezes mais episódios de agressões sexuais. “Por um lado, podíamos supor que haveria diferenças relevantes entre os grupos avaliados. Mas a magnitude dessa diferença referente à violência sexual é o mais preocupante”, comenta Giancarlo.

Quais serão os próximos passos?

Segundo Maria Cristina Pereira Lima, diretora da FMB-Unesp, que também participou do levantamento, pesquisas como essa são muito importantes para ajudar a tirar grupos ALGBT da invisibilidade e permitir a elaboração de políticas públicas voltadas para as necessidades específicas dessas pessoas.  

“Quando você não identifica quantas pessoas pertencem a um determinado grupo em meio à população, você as invisibiliza. Isso dificulta que se estabeleçam políticas públicas para esse grupo, e que se faça um trabalho de formação de profissionais para atender suas necessidades”, explica.

Agora, a expectativa dos pesquisadores é que esse trabalho sirva como inspiração para que, cada vez mais, levantamentos sobre a comunidade ALGBT sejam elaborados no futuro. “Esses levantamentos têm caráter científico, mas também cumprem um papel político e social”, explica Maria Cristina.

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