“As empresas são um meio poderoso de transformação social”

Em entrevista ao iFood News, o empreendedor Rodrigo Pipponzi, fundador do Grupo Mol, conta como construiu um negócio social que já doou mais de R$ 50 milhões.

Rodrigo Pipponzi, fundador do Grupo Mol, mostra como empreender foi seu caminho para inspirar a cultura da doação no Brasil


Com um diploma de Administração na mão, era de se esperar que o jovem Rodrigo Pipponzi entrasse para a empresa da família, a Droga Raia. Em vez disso, ele decidiu fundar seu próprio negócio para gerar impacto social e alimentar a cultura da doação no Brasil.

Em 2007, ele e a sócia Roberta Faria fundaram a Editora Mol para produzir revistas, vendê-las nas farmácias da Droga Raia e converter parte da receita em doações para o GRAAC (Grupo de Apoio ao Adolescente e Criança com Câncer).

Depois de alguns anos de estrada, o modelo ganhou escala: a editora virou o Grupo Mol, que vende revistas em 14 redes varejistas em quase 6.000 lojas no Brasil e já doou R$ 50 milhões a 120 organizações parceiras —e tem outros braços, como consultoria para impacto social e um instituto para fomentar a cultura da doação.

“Foi-se o tempo em que as empresas olhavam para os problemas sociais e diziam ‘isso não é responsabilidade minha’. Negócios também são ferramentas de transformação”, afirma Pipponzi. Em entrevista ao iFood News, ele fala sobre como empreender pode ser uma maneira de inspirar a transformação social.

O que te motivou a ser um empreendedor social?

Vim de uma família empreendedora, e é claro que havia uma expectativa de que eu entrasse naturalmente no negócio. Mas eu sentia uma inquietação porque queria ser um empreendedor, realizar coisas novas, colocar os meus valores em prática. Para mim, seria muito difícil me adaptar a uma empresa pronta, mesmo que eu admirasse meu pai.

Além disso, eu sempre me incomodei demais com o fato de viver em uma sociedade em que a elite ignorava os problemas sociais, jogava a responsabilidade nas costas do governo e dizia “isso não é problema meu”. Quando conheci o terceiro setor, especialmente o GRAAC, deu aquele clique e eu percebi que o empreender podia vir com a palavra “socialmente” do lado.

Como surgiu a ideia de uma editora de impacto social?

Eu fui encontrando caminhos, e o grande divisor de águas foi a revista Sorria!, que conectava o meu propósito com o negócio da família. Na época era uma experiência meio maluca vender revista em farmácia para repassar os recursos para o GRAAC. Ninguém acreditava muito que aquilo iria dar certo, mas deu.

A revista moldou o negócio da Editora Mol e nos permitiu criar um modelo de negócio que gerou muito impacto social. Já doamos mais de R$ 50 milhões desde 2007. Só em 2021, foram R$ 9 milhões. A Sorria! abriu nossa cabeça para um modelo de negócio muito poderoso. Quando nos vimos, em cinco anos, subindo um hospital, ficou claro que havia uma capacidade impressionante de arrecadar microdoações no varejo. O futuro estava em fazer esse modelo ganhar escala.

Eu tinha uma visão muito clara de que se a revista funcionava na Droga Raia, poderia ter sucesso em outros varejos. Testamos novas parcerias, como com o Pão de Açúcar e a Ri Happy, e nos adaptamos a varejistas de diferentes portes e setores. O Grupo Mol virou um ecossistema que tem como propósito construir uma nação doadora e ampliar a cultura de doação no Brasil.

Por que é importante cultivar essa cultura de doação?

Porque o governo, sozinho, não vai resolver todas as questões. É preciso fortalecer organizações que trabalham junto com o governo e as empresas para mitigar os problemas que temos no país. Precisamos do terceiro setor, e o terceiro setor precisa de doações e de uma filantropia estruturada, com uma participação contínua de empresas e de indivíduos.

Mas, para que as pessoas participem, é preciso falar sobre doação, educar para que todos entendam seu valor, porque ainda há barreiras como falta de confiança e de renda. A cultura de doação traz um senso de coletividade muito importante.

Doar deveria ser como votar, porque é um ato de civilidade, de querer o melhor para o seu país. Se cada um der a parte que lhe cabe, dentro das suas possibilidades, a gente transforma a cultura da individualidade, do jeitinho, em uma cultura da coletividade.

A doação também é uma ferramenta eficiente de transferência de renda. Vivemos em um sistema de acúmulo de riquezas, e a doação é uma maneira de transferir esse acúmulo, de fazer esses recursos chegarem a quem mais precisa. A doação, seja de tempo, de dinheiro, de conhecimento, é uma ferramenta que temos na mão para promover transformação.

Como o impacto social entra na estratégia do Grupo Mol?

O impacto social é o centro da nossa estratégia: todas as nossas decisões são tomadas a partir daí. Nossos produtos existem para gerar doações, e a contrapartida é que eles nos trazem lucro, e não o contrário.

O bolo é o mesmo —a receita—, só mudamos a proporção do que doamos e do que lucramos. A cada R$ 4 doados, temos R$ 1 de lucro. No nosso modelo, se a gente não doa, a gente não lucra. A lógica do nosso modelo é que as pessoas compram a revista pela primeira vez para doar, mas leem um produto bacana, que cabe no seu bolso, e passam a ser leitores recorrentes.

Hoje eu também faço parte do comitê de investimento social privado da RD [empresa criada a partir da fusão da Droga Raia com a Drogasil em 2011]. Poder influenciar as estratégias sociais de um negócio gigantesco, de 50 mil funcionários, é muito valioso.

Por que as empresas devem se preocupar com seu impacto socioambiental?

Vivemos um contexto social grave, especialmente depois da pandemia, e sabemos que esses problemas não serão resolvidos por um setor, e sim pela colaboração entre empresas, governos e organizações sociais.

As empresas são elementos de transformação e estão reconhecendo isso. A responsabilidade cresce porque elas são detentoras do capital e têm capacidade financeira e social para promover mudanças; suas estratégias influenciam diretamente o mundo em que vivemos. É interessante perceber que elas estão se influenciando mutuamente para o bem. A colaboração é a nova concorrência.

Qual é a mudança que você quer ver no mundo?

A primeira é ter um planeta saudável para viver. Na filantropia, meu grande sonho é que a gente consiga construir uma sociedade mais generosa, mais coletiva, que entenda mais o valor não só da doação, mas da participação cívica, de saber que as suas ações afetam outras pessoas. Uma sociedade que dá muito mais as mãos e olha para o mesmo lugar, e não ser uma sociedade individualizada, em que cada um olha só para o próprio umbigo.

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