Aprovadas em plebiscito, as regras da Prop 22 garantem ganho mínimo
e benefícios para os profissionais
O trabalho em plataformas digitais gerou uma riqueza da ordem de US$ 52 bilhões no mundo em 2019, de acordo com o último relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre o tema, publicado em 2021. A maioria (70%) desse faturamento se concentra em dois países: os Estados Unidos, que ficam com uma fatia de 49%, e a China (23%).
Esse cenário mostra por que as empresas norte-americanas estão começando a discutir a regulação do trabalho em plataformas. Uma das primeiras iniciativas para isso foi a Proposition 22 (ou Proposição 22), aprovada em plebiscito em 2020 no estado da Califórnia, o mais rico e populoso do país, onde são realizadas 9% das corridas da Uber e 16% das da Lyft, as maiores plataformas de transporte privado de passageiros do país.
A Prop 22 classifica os trabalhadores de plataformas digitais de transporte e entrega como independent contractors —ou seja, como contratantes independentes, não como empregados— e estabelece direitos para trabalhadores e obrigações para as plataformas.
Para que essa classificação seja válida, as plataformas devem cumprir alguns requisitos, como não exigir um número mínimo de horas em que o profissional deve estar conectado nem fazer exigências de prestação de serviço como condição para manter o acesso ao aplicativo. Além disso, os trabalhadores devem ter autonomia para prestar serviços para outras plataformas ou para trabalhar em qualquer outra ocupação ou negócio.
“Um dos pontos positivos da proposição é a garantia de um ganho mínimo, um quesito ainda não regulado no Brasil”, afirma Gabriela Marcassa Thomaz de Aquino, pesquisadora do CEPI (Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação) da FGV Direito SP, que participou da elaboração de um briefing temático sobre o assunto, que teve apoio do iFood.
“Esse ganho mínimo é proporcional, respeita os valores em cada região e leva em conta o tempo que os trabalhadores passam engajados na plataforma, que é a partir do momento em que aceitam o trabalho até o momento em que terminam”, avalia.
Regulação em debate
Outro ponto relevante do texto, segundo Gabriela, é a preocupação com a transparência das plataformas em suas decisões em relação aos trabalhadores. “Os contratos entre as partes devem, por exemplo, prever os motivos para a suspensão dos trabalhadores da plataforma, que por sua vez deve permitir que os trabalhadores peçam mais informações ou recorram da suspensão.”
Ela acredita que o texto da Califórnia poderia inspirar o debate brasileiro de regulação sobre o trabalho em plataformas. “Nossos legisladores deveriam olhar para temas como garantir o trabalho decente, com remuneração mínima, tempo de descanso e seguro em caso acidente, para que os profissionais tenham uma renda quando não puderem trabalhar.”
A Prop 22 se sobrepõe à legislação anterior, aprovada em 2019, que entendia que os trabalhadores eram funcionários das plataformas, portanto teriam direito a seguro desemprego e outros benefícios.
Apesar de aprovada em plebiscito, a Prop 22 ainda gera controvérsia. Em agosto de 2021, um juiz da Suprema Corte da Califórnia considerou o texto inconstitucional. As plataformas digitais entraram com um recurso e conseguiram suspender a decisão do juiz. “A proposição ainda está valendo. Mas é um exemplo de que legislar sobre o tema não significa o fim da discussão”, avalia Gabriela. “Pelo contrário, pode ser apenas o começo.”
O que diz a Proposição 22
Liberdade para os trabalhadores
As plataformas não podem definir datas, horários e tempo mínimo em que os trabalhadores devem estar logados nem exigir que aceitem qualquer serviço específico. Os profissionais têm liberdade para prestar serviços para outras plataformas ou ter um emprego ou negócio próprio.
Ganho mínimo
Os trabalhadores recebem um salário mínimo, determinado pelo estado, e aplicável a todo o tempo que gastaram para completar o trabalho.
Limitação de jornada
Os trabalhadores não podem ficar conectados por mais de 12 horas em um período de 24 horas —exceto se tiverem se desconectado por 6 horas ininterruptas. Quem excede essa jornada é proibido de voltar à plataforma digital até que cumpra o intervalo ininterrupto de 6 horas.
Cuidado com a saúde
Um dos benefícios garantidos aos trabalhadores é o subsídio para cuidados com a saúde, pago trimestralmente pelas plataformas de acordo com o tempo engajado dos trabalhadores por semana.
Seguro
As plataformas devem oferecer seguro contra acidentes de trabalho (cobertura de despesas médicas e perda de renda em caso de lesões sofridas no período em que os trabalhadores estão online) e seguro por morte acidental para dependentes.
Contrato transparente
O acordo assinado entre a plataforma e os trabalhadores determina que a empresa não pode rescindir o contrato por motivo que não esteja descrito no documento e que deve disponibilizar um procedimento de apelação para os trabalhadores forem suspensos.
Contra o assédio sexual
A proposição obriga as plataformas a terem uma política contra o assédio sexual que atenda requisitos como identificar o assédio sexual e proibir os profissionais de se envolverem nessa prática, além de ter um canal pra receber queixas de profissionais e clientes.
Fonte: CEPI FGV-SP
Para saber mais sobre a Prop 22, acesse aqui a íntegra do briefing temático elaborado pelo CEPI FGV-SP.
Leia mais:
Pesquisa FGV Direito SP revela os desafios da regulação em Gig Economy no Brasil
Pelo mundo: regulação do trabalho em plataformas digitais
Como o Brasil discute novas leis para o trabalho em plataformas
América Latina debate novas leis para o trabalho em plataformas
iFood esclarece dúvidas sobre desativações de entregadores da plataforma