Comida afetiva: por que amamos tanto as delícias da infância?

Os nossos pratos preferidos na infância viram a comida afetiva da vida adulta. Basta sentir seu cheiro para ter boas lembranças. Mas por que isso acontece?

Algumas comidas têm o poder de dar aquele quentinho no coração. Pode ser bolo de vó, macarronada de domingo ou aquele chocolate que a gente só ganhava em dias especiais na nossa infância.

Basta sentir seu cheiro ou pensar nelas para imediatamente lembrar de um momento bom, de um carinho, de um cuidado. A comida afetiva vai além do comfort food porque não traz apenas um conforto imediato, faz também uma conexão forte com a memória. Mas como isso acontece?

“Existe uma memória afetiva ligada ao sabor e ao odor. Um cheiro ou sabor que nos agrada fica gravado na região do cérebro que é responsável pela memória. Então, toda vez que os encontramos, temos de novo a mesma sensação”, explica a nutricionista Vanderli Marchiori, vice-presidente da Associação Brasileira de Nutrição e Saúde Mental.

O bolo, queridinho de muita gente, é um bom exemplo. Na infância, ele era preparado em dias de festa ou em momentos agradáveis, como um lanche da tarde em família. Por isso, nosso cérebro associa o cheiro de bolo a algo bom e, em muitos casos, nos remete a aconchego.

Essa conexão emocional com a comida, explica Vanderli, independe de um prato ser refinado ou saboroso. Até mesmo um arroz com ovo pode evocar esse sentimento bom –tudo depende da experiência de vida de cada um. “A comida afetiva tem a ver com o reconhecimento de uma memória. Um arroz com ovo pode ter sido o primeiro prato que você preparou na sua casa nova, ou seja, significa um momento de vitória.”

Com açúcar, com afeto

A relação entre a comida e os sentimentos passa também pela dimensão do cuidado, pois certos pratos nos lembram quem cozinha com carinho para nós desde que somos crianças. “Para mim, a comida é a mais importante demonstração de afeto”, comenta a chef Mara Salles, do restaurante Tordesilhas.

“Quem prepara a comida quer ver o outro feliz, quer que a comida traga conforto e alegria. Acho que esse sentimento permeia tanto quem faz como quem recebe um prato quentinho. Por isso a gente lembra tanto dos pratos feitos pela mãe, pelo pai, pela avó, por um tio”, diz ela.

Para a chef, a carne seca do jabá preparado por sua mãe é que tinha um sabor especial. “Para os outros, eu faço a carne seca macia. Mas a que eu mais adoro é a gordurenta e cheia de nervinhos que a minha mãe preparava, frita no alho e no colorau.”

Os pratos de que a gente mais gosta desde a infância acabam até mesmo definindo a nossa identidade. Tanto que no Museu da Pessoa, que coleciona histórias de vida, “muita gente conta sua história por meio de fotos e de lembranças de comida”, conta Lucas Lara, diretor de museologia da instituição.

Ele conta que uma pessoa, por exemplo, definiu sua relação de afeto com a mãe falando da macarronada com frango do domingo, seu prato favorito desde a infância. Com a pandemia, a família não pôde mais se reunir, mas a mãe continuou preparando o prato e mandando para os filhos –com o pedaço favorito de frango de cada um.

“Para essa pessoa, a relação com a mãe se materializa em uma história sobre comida que traz o amor e o cuidado como pano de fundo”, comenta Lucas. “Falar das nossas memórias por meio da comida é um elemento fundamental da nossa cultura.”

Comer, para Lucas, não é só uma necessidade biológica. “A alimentação traz muito da nossa cultura, das nossas origens, das nossas relações. Qual gosto tem a sua infância?”

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