O Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da Escola de
Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP) desenvolveu uma pesquisa sobre Gig Economy (ambiente de negócios em que há intermediação de trabalho humano por meio de plataformas digitais, no qual prevalecem contratos flexíveis, ocasionais e não permanentes). O projeto é fruto de uma colaboração entre o CEPI e o iFood visando à
qualificação do debate público envolvendo Direito e novas tecnologias.
O estudo, que analisou 101 empresas digitais que operavam no Brasil no mês de junho de 2021, identificou que a Gig Economy envolve grande variedade de atividades econômicas: entrega de produtos (delivery); transporte de passageiros; advocacia e serviços jurídicos; ensino e treinamento; faxina e limpeza; freelancers de pequenas tarefas; cuidados de animais; saúde e bem-estar; programação e tecnologia da informação (TI); pequenos consertos e obras; cuidados de crianças; hotelaria e turismo; transporte de cargas e plataformas de múltiplas atividades.
Não é de hoje que a chamada Gig Economy cresce no Brasil. O fenômeno ganhou ainda mais força durante a pandemia, que, de um lado, levou ao aumento da utilização dessas
plataformas pelos usuários, e, de outro, ao consequente aumento do número de
trabalhadores nas plataformas, uma alternativa para muitas pessoas frente ao alto índice de
desemprego no país.
Essa equação tem suscitado uma série de discussões sobre a necessidade
e a urgência da regulação do trabalho nesse ambiente de negócios promovido pelo
desenvolvimento tecnológico.
A pesquisa realizada pelo CEPI demonstra o tamanho do desafio: como regular um setor tão
diverso e ainda carente de informações sobre a quantidade e o perfil do trabalhador desse
ecossistema?
Ana Paula Camelo, pesquisadora líder do estudo, ressalta o momento oportuno do
levantamento das informações. “Por estarmos diante de um setor em expansão, cuja
complexidade foi acentuada pelo contexto da pandemia, identificamos a necessidade de
mapear e entender o cenário nacional para contribuir para a discussão multissetorial sobre
regulação do trabalho nesse ecossistema”.
Projetos de Lei
Existem diversos Projetos de Lei (PL) na Câmara dos Deputados e no Senado Federal versando
sobre a matéria. Entre 2015 e julho de 2021, a pesquisa mapeou 128 PLs federais relacionados
à regulação do trabalho em plataformas digitais. Desses, 59 PLs são voltados a motoristas de
aplicativos; 21 a entregadores(as); 35 a motoristas e entregadores(as); 12 a trabalhadores(as)
em geral; e 1 a artistas e intérpretes de obras audiovisuais.
Os temas abordados nos projetos de lei são variados: há PLs que propõem que a remuneração
seja referenciada no salário mínimo, considerando a hora trabalhada, sujeita a reajustes
periódicos e vedando a sua vinculação à avaliação do(a) trabalhador(a); há PLs que definem
estipulação de prazo e formas de pagamento, além de regras sobre transparência na
remuneração; há PLs que limitam a taxa de comissão cobrada pelas plataformas; muitos PLs
preveem a obrigatoriedade de oferecimento de seguros de vida, de assistência à saúde e
contra danos materiais; e outros PLs também trazem benefícios de escopo trabalhista e
previdenciário (licenças remuneradas e contribuição para a aposentadoria).
Estudo de caso
Diante desse cenário heterogêneo, foram destacados 10 casos para a análise mais
aprofundada de critérios relacionados a remuneração, avaliação do trabalho e peculiaridades
de funcionamento das plataformas. Esses casos foram selecionados levando em conta as cinco
categorias que apresentaram maiores resultados no critério de atividade econômica: entrega
de produtos, transporte de passageiros, advocacia e afins, ensino e treinamento e transporte
de cargas.
O estudo revela que essas empresas identificam seus trabalhadores como autônomos e que a
remuneração é calculada por tarefa, sendo, via de regra, definida pela plataforma ou
convencionada entre as partes.
Nos casos em que o recurso de avaliação da prestação de serviço, houve predominância do
sistema de avaliação realizado por trabalhadores(as) e contratantes do serviço/consumidores.
Há ainda plataformas que adotam a sistemática de avaliação apenas por parte do contratante
do serviço/consumidor(a).
Segundo Olívia Pasqualeto, pesquisadora do CEPI e professora da FGV Direito SP, “os casos
analisados evidenciam alguns dos desafios de um setor em expansão e ainda pouco regulado”.
Isso nos faz refletir sobre como promover melhores condições de trabalho e como garantir
mais transparência na relação entre trabalhadores e plataformas. Diante da heterogeneidade
(de trabalhadores, plataformas, atividades etc.) que marca a Gig Economy, ressalta-se ainda
mais a necessidade de haver uma regulação pautada na participação e no diálogo social para
construir uma legislação que seja adequada para responder aos problemas existentes no
setor”.
Informações para subsidiar tomadas de decisão
Vale ressaltar que, apesar da ascensão da Gig Economy, ainda há poucas informações sobre a
quantidade de trabalhadores e trabalhadoras ligados ao setor no Brasil e no mundo.
Esses trabalhadores são heterogêneos, sendo difícil identificar um único perfil. Alguns prestam
serviços por meio de plataformas digitais para complementar a renda, enquanto outros têm
nesse trabalho a sua principal fonte de receita. Dados da PNAD-Covid-19, em outubro de 2020,
indicam que havia 688.256 pessoas trabalhando como motoboys ou entregadores autônomos,
número que tende a envolver os trabalhadores e as trabalhadoras da Gig Economy.
A pesquisa ainda revela que os sites de algumas plataformas oferecem poucos detalhes sobre
o seu funcionamento. Nem sempre os termos de uso estão disponíveis para consulta sem que
se realize um cadastro como potencial trabalhador(a). E, mesmo quando há termos de uso
disponíveis, nem sempre há detalhamento sobre todos os critérios definidos para ele analisar a
proposta de adesão à plataforma, como cálculo da remuneração e modelo de avaliação dos
serviços.