Muito se tem falado sobre o futuro do trabalho – como ele parecerá e o que
estará em risco. Pouco se fala em como moldá-lo, de forma que possa existir
uma perspectiva de ganha-ganha.
Explorar tão somente o viés do que estará em risco parece uma resistência às
mudanças no mundo trabalho – resistência essa completamente vã em tempos de
pandemia, já que foi justamente a nossa capacidade de mudar rapidamente a
forma como trabalhamos que nos ajudou a transitar pela crise.
Precisamos explorar cada vez mais os caminhos que nos permitirão alcançar essa
perspectiva de ganha-ganha – benéfica para os trabalhadores, para as empresas
e para a sociedade -, seja para as mudanças que já chegaram ou para aquelas
que ainda estão por vir.
Em 2019, a ONU publicou a Declaração do Centenário para o Futuro do Trabalho,
reconhecendo que o mundo do trabalho está passando por profunda mudança em
razão das inovações tecnológicas, oscilações demográficas, alterações
climáticas e globalização. Soma-se a isso as mudanças na forma como
trabalhamos, impostas pela própria pandemia, que teve seu início em 2020.
De todo modo, permanece atual o enfoque que a Declaração dá acerca da
importância de se colocar o ser humano no centro da discussão sobre o futuro
do trabalho e do do que isso representa enquanto pilar de desenvolvimento
sustentável para pôr fim à pobreza, às desigualdades e às injustiças que ainda
rondam as relações de trabalho, apesar dos inegáveis progressos alcançados até
aqui.
Garantir condições dignas para os trabalhadores inseridos nas novas formas de
trabalho, investir em aprendizagem contínua para qualificação dos
trabalhadores e ter um mecanismo de proteção social abrangente e sustentável
são apelos trazidos pela ONU e que destaco aqui como extremamente importantes.
São alicerces que têm o potencial de reduzir desigualdades históricas,
inserindo jovens no mercado de trabalho, gerando oportunidades, garantindo
renda e resgatando a dignidade humana de milhares e milhares de pessoas.
Mas são alicerces que precisam ser criados e cuidados a partir da ótica do
futuro do trabalho e das novas formas de trabalho. Se nos apegarmos aos
mecanismos já existentes, deixaremos de colocar o ser humano no centro e de
considerar as mudanças ocorridas, assim como os impactos delas decorrentes nas
nossas vidas e na forma atual de se trabalhar, e não contribuiremos para a
almejada inclusão de mais pessoas no mundo do trabalho.
A professora e autora Orly Lobel, especialista em políticas inovadoras,
direito comportamental e economia, propõe que se expandam certas proteções
básicas a todos os trabalhadores e que se criem proteções em resposta a novos
modelos de negócio, desvinculando programas de bem-estar social do emprego.
Políticas públicas neste caminho proposto por Lobel têm o poder catalisador de
criar esses alicerces para alcançarmos a perspectiva de ganha-ganha; e são
urgentes, de acordo com a ONU.
Está nas mãos da sociedade, das empresas, dos trabalhadores e do poder público
discuti-las e implementá-las a tempo.
Tatiane Neves Alves é coordenadora jurídica no iFood. Advogada graduada pela Faculdade de Direito
de São Bernardo do Campo e pós-graduada em Direito Empresarial pela Insper,
tem experiência corporativa em empresas de tecnologia com foco em
Consultivo, Contratos e Regulatório.
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