Quantas horas trabalha um entregador de aplicativo? Para responder a essa questão, uma pesquisa usou, pela primeira vez, dados fornecidos pelas plataformas —entre elas, o iFood— que revelam como é a jornada de trabalho desses trabalhadores.
No Brasil, os entregadores trabalham, em média, de 13 a 17 horas —ou uma média de 3,3 dias— por semana. Essa é uma das conclusões do estudo “Mobilidade urbana e logística de entregas: um panorama sobre o trabalho de motoristas e entregadores com aplicativos”, publicado em abril.
Esse número foi obtido de registros administrativos cedidos pelas plataformas, processados e analisados pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) a pedido da Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que reúne 99, iFood, Uber e Zé Delivery.
O número de horas trabalhadas varia porque é calculado considerando também uma estimativa de tempo ocioso na plataforma, de 30% a 10% respectivamente, que seria o tempo em que o entregador está logado no aplicativo aguardando para receber um pedido.
Na gig economy, a flexibilidade de horários é uma característica do trabalho, uma vez que os profissionais não têm uma jornada definida para cumprir.
No caso dos entregadores, de acordo com a pesquisa, a média de dias trabalhados e a de horas em que esses profissionais estão logados no aplicativo varia bastante. Ao serem perguntados quanto varia sua jornada de trabalho, em uma escala de 1 (varia pouco) a 5 (varia muito), 55% dos entregadores deram notas 4 e 5.
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No estudo, o Cebrap afirma que “é importante lembrar que metade dos entregadores possui outro trabalho além de sua atuação com os aplicativos. Ou seja, o arranjo de horas dedicadas ou não aos aplicativos, definido pelos entregadores em seu dia de trabalho, passa não apenas por outras atividades realizadas em conjunto com os aplicativos, como também outros trabalhos para os quais eles se dedicam”.
“A pesquisa setorial confirma a nossa percepção sobre o setor: o engajamento médio nas plataformas de entrega é baixo comparativamente a outras atividades. Mas nós estamos atentos ao fato de que muitos entregadores trabalham mais horas do que as medidas de tendência central apontam. No caso do iFood, 1,2% da nossa base teve, em 2022, um engajamento entre 180h e 220h horas mensais”, afirma Debora Gershon, head de políticas públicas da empresa.
Delivery como atividade complementar
A pesquisa mostra que os aplicativos são uma atividade complementar para quase metade dos entregadores —48% disseram ter uma outra ocupação, enquanto 52% afirmam atuar exclusivamente nos apps.
No estudo, o Cebrap aponta que esse dado “reforça a ideia de que esses trabalhadores se logam no sistema com uma regularidade menor do que o esperado caso este fosse o seu único trabalho”.
Outra informação trazida pela pesquisa é que, entre os entregadores que têm mais de uma ocupação, em 50% dos casos a outra atividade é um emprego com registro em carteira de trabalho.
“Esse é um dado relevante na discussão sobre a regulação do trabalho em plataformas. Há perfis distintos de entregadores vinculados às plataformas sob o ponto de vista de acesso a benefícios e direitos sociais”, comenta Debora.
Nessa questão, o iFood e a Amobitec são a favor da regulação e defendem a inclusão de trabalhadores mediados por plataformas digitais de transporte individual de passageiros e de entregas no sistema previdenciário público, como autônomos, o que garante uma contrapartida das empresas no sistema.
Apps mudam (e não criam) o mercado
Outro dado interessante levantado pelo Cebrap é que, entre os entregadores, 27% já trabalhavam com entregas antes de se cadastrar em um aplicativo —e que 34% dos que têm uma outra ocupação também trabalham com entregas (fora das plataformas) nessa outra atividade.
No estudo, o Cebrap aponta que isso sinaliza que “o início das operações dos aplicativos de entrega, mais do que abrir uma nova frente de trabalho (como pode-se dizer a respeito dos aplicativos de transporte de passageiros), modificou um mercado de logística de entregas de alimentos, remédios, documentos e etc. que já existia”.
“Aplicativos como o iFood não criaram um mercado, eles trouxeram inovação a uma atividade e um setor que já existiam”, concorda Debora. “Saber que 67% dos entregadores já tinham uma outra ocupação antes de aderir aos aplicativos, e que 80% pretendem continuar com esse tipo de atividade reforça a tese de que o trabalho em plataformas é uma opção digna, não explicada exclusivamente pela taxa de desemprego. Trata-se, em muitos casos, de uma opção efetivamente deliberada, que dialoga, obviamente, com a realidade brasileira, mas, fundamentalmente, com as características do setor.”
