“Queremos transformar a vida de 10 milhões de pessoas por meio da alimentação”

David Hertz, idealizador e cofundador da Gastromotiva, fala sobre a importância da atuação em rede para que 10 milhões de pessoas conquistem autonomia financeira por meio da alimentação

Há 16 anos, a Gastromotiva, ONG que tem como missão transformar a vida de pessoas e comunidades por meio da gastronomia, surgia como um catering social, uma espécie de bufê-escola que capacitava pessoas empreendedoras de favelas para montar pequenos negócios em suas comunidades. Passado todo esse tempo e depois de quatro fases distintas, David Hertz, idealizador, cofundador e presidente da instituição, se prepara para a quinta virada dessa jornada.

Daqui até 2030, ele espera que a Gastromotiva seja uma espécie de aceleradora na transformação de vidas de brasileiros  e (quem sabe) latino-americanos. “Até 2024, vamos preparar a Gastromotiva para ajudar a mudar a vida de 10 milhões de pessoas”, disse Hertz em entrevista ao iFood News.

A transformação se dará por meio da autonomia financeira via negócios de impacto social associados à alimentação. Segundo ele, será preciso captar US$ 10 milhões para que essa meta seja batida.

“Essa ação já começou. Estamos “embalando” todas as nossas iniciativas com estudos de caso, tecnologia, captando recursos financeiros e costurando parcerias de longo prazo para que sejam implementadas”, explicou.

Mudanças no direcionamento da Gastromotiva não são bem uma novidade. Durante essa década e meia de atividades, a ONG, que começou como um bufê-escola, abraçou mais frentes de atuação e foi lançando diferentes iniciativas (as tais quatro fases distintas do início do texto), com o objetivo de promover a inclusão social.

Nesse tempo, a Gastromotiva passou a oferecer cursos de capacitação profissional e empreendedorismo, a realizar ações de combate ao desperdício de alimentos e à fome (o restaurante-escola Refettorio Gastromotiva é a materialização dessa ação) e a incentivar, com a transferência de recursos e inteligência, a criação de cozinhas sociais (ou cozinhas solidárias) que distribuem refeições para pessoas e famílias em situação de insegurança alimentar.

“Nós não elegemos essas frentes. Elas foram chegando”, diz Hertz. “Conforme o tempo passou, a gente foi entendendo as dimensões da pobreza e como tudo está conectado. Não posso falar em capacitação profissional, se eu não educo o cozinheiro do futuro a lidar com desperdício de alimentos e com os recursos que a cozinha oferece para  o gerar renda de maneira eficaz. A comida é o nosso meio, e não o fim. A gastronomia é um instrumento de combate às desigualdades sociais”, diz.

Um chef por acaso

A trajetória de Hertz com a gastronomia social também não começou de cara, ela foi chegando aos poucos. “Eu virei chef por acidente”, diz. Quando estudou gastronomia, estava mais interessado na gestão de um negócio de hospitalidade. Mas foi ali, conhecendo as histórias de quem botava a mão na massa, que ele decidiu mudar um pouco seu objetivo.

“O que eu mais gostava da cozinha era conhecer as histórias das pessoas, dos auxiliares. Eu tinha a formação, mas quem tinha a prática eram eles”, relembra. Foi aí que  o chef começou a se interessar pela educação e capacitação nesta área. 

Por um tempo, acumulou a função de professor com um catering para para eventos. Depois de alguns anos, entendeu que aquilo poderia virar um negócio de impacto.

Inspirado pelo livro “O Banqueiro dos Pobres”, do economista e banqueiro bengali e vencedor do Nobel da Paz, Muhammad Yunus, e em uma experiência de gastronomia social na favela do Jaguaré (em São Paulo), Hertz pensou na possibilidade de transformar o seu negócio. “Foi ali que uni o chef, o empresário e empreendedor social e a Gastromotiva começou a dar seus primeiros passos”, relembra

Como a gastronomia pode mudar a vida de 10 milhões de pessoas

A meta parece ousada: transformar a vida de 10 milhões de pessoas até 2030. Mas ela já vem sendo desenhada há algum tempo.

Hertz conta que o estalo veio em 2019, inspirado pelos movimentos ambientalistas liderados pela sueca Greta Thunberg. Aquilo foi uma espécie de chacoalhão que o levou, em suas próprias palavras, “a voltar às origens”.

“Eu vi muita solução ao redor do mundo pronta para ser escalada. E me veio esse compromisso de, em 10 anos, captar US$ 10 milhões para transformar a vida de 10 milhões de pessoas”, explica.

Atualmente, esse compromisso está em fase de planejamento. Alguns recursos já foram captados e, até 2024, Hertz planeja preparar a Gastromotiva para atingir essa meta. 

A preparação consiste em fortalecer as cozinhas solidárias para que elas se tornem negócios de impacto, capazes de expandir e distribuir os cursos que a ONG já oferece e possam criar um modelo (a ser replicado) de desenvolvimento de comunidade sob o olhar da alimentação — atualmente há um piloto sendo realizado em Manaus (AM). 

Como essas vidas seriam transformadas? Segundo Hertz, proporcionando autonomia financeira a partir de negócios voltados à alimentação. “Essa autonomia se dá por meio do desenvolvimento comunitário, dos negócios de impacto e influenciando políticas públicas que tenham a gastronomia social como centro”, explica.

Hertz usa duas cozinhas solidárias de Petrópolis (RJ) como exemplos de ações que podem, de alguma maneira, promover essas transformações na vida de tanta gente. Quando as fortes chuvas provocaram alagamentos, inundações e deslizamentos na cidade, toda uma rede foi mobilizada para rapidamente prestar solidariedade

A World Central Kitchen, organização humanitária criada pelo chef espanhol José Andrés, se conectou à Gastromotiva para, em 24h, levar refeições prontas para Petrópolis. Nesse meio tempo, uma aluna dos cursos de capacitação da ONG, que tinha relação com a cidade, se voluntariou e disse que a família que morava lá poderia ajudar a cozinhar. “Aí eu disse: ‘vamos fazer uma cozinha solidária’”, conta o empreendedor social. Os recursos para montar as duas cozinhas solidárias vieram das doações feitas pelos clientes do iFood durante a campanha feita na época. 

“Então veio um chef internacional, tinha uma aluna que conhecia as pessoas que iriam gerir a cozinha solidária, o iFood entrou com as doações e a Gastromotiva com a tecnologia social”, conta Hertz. “Agora, a prefeitura da cidade vai apoiar as cozinhas. Esse quebra-cabeça, de colocar todos à mesa, é o que, no final, vai transformar essas 10 milhões de vidas”, acredita o presidente da Gastromotiva.

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